Tantas Almas | Crítica do Filme | CinemAqui

Tantas Almas | Uma experiência semidocumental que ironicamente não tem alma

O tio desceu todo o rio para roubar um braço e deixar uma bagunça no cemitério para o coveiro arrumar. Tantas Almas é essa aventura sinistra em torno de acontecimentos históricos colombianos que muitos ignoram, mas o filme não quer defender o estudo de história. Não antes de conseguir se revelar tedioso até a morte mesmo falando sobre assuntos tão importantes quanto os limites para o desumano.

Tudo começa quando José, o tio do parágrafo anterior, volta para casa pela manhã depois da pescaria e não encontra seus dois filhos. Então ele parte em busca dos seus corpos, seguramente dentro do rio. O pensamento é automático. Os paramilitares estão no poder e é essa a realidade vigente. E um adendo significativo: é proibido tirar os corpos de lá.

José se torna, então, um fora-da-lei ao encontrar e resgatar o corpo do primeiro filho. Desobedecer leis pode não ser algo nobre, mas é o corpo do seu filho que estava lá no rio. Podemos abrir uma discussão sobre como decidir se uma lei é justa, mas a certeza é que não chegaremos a lugar algum, pois tudo é subjetivo. Escolha seu lado.

Não demora para seu barco ser roubado por um desertor dos paramilitares. Seria ele um paradesertor, então? As coisas são confusas quando o governo local não possui o controle da situação e impõe suas próprias restrições sobre retirar corpos do rio.

Tantas Almas | Uma experiência semidocumental que ironicamente não tem alma

Este é um filme bem longo que vai seguindo um ritmo até que agradável. É o assunto que nunca chega a lugar algum. Sua largura de tela é absurda e exibe longos e lentos planos em torno desse mundo com floresta, rio e José.

Há uma sequência muito engraçada quando ele é capturado e tem uma conversa com o capitão de uma tropa enquanto restabelecem a energia elétrica para ele conseguir acompanhar o final da corrida de bicicletas. Recebendo ordens do líder dos paracoisas, José toma sopa até não poder mais. É uma cena forte, só que não. O peso de que ele pode morrer a qualquer momento já ficou perdido no desenvolvimento da história, que não se preocupa em estabelecer essas regras, por mais simples e óbvia que sejam. Como isto é cinema, se as regras que nos são apresentadas, espectadores, é que é normal ter corpos pelo rio e matar pessoas por qualquer motivo, então nossa conclusão é de que se José morrer naquele instante não haverá impacto algum.

Há poucas cenas memoráveis junto desse protagonista que não sei se é um figurante ou uma pessoa de carne e osso seguindo um roteiro. Ele poderia ser um ótimo figurante ou um péssimo ator, mas independente disso sua presença é etérea. Nós acompanhamos por quase duas horas e meia ele buscando o corpo dos filhos, mas não há um único momento em que a pessoa por trás do personagem estabelece comunicação conosco. A única estratégia do filme é confiar no senso comum da plateia e nas cenas que demoram mais para cortar, cujo objetivo é fazer o espectador interpretar o vazio como se houvesse algo lá. É um truque comum de cineastas que não estão afeitos em forçar opiniões ou construir narrativas. O roteiro frouxo soa mais neorealista.

Sem trilha sonora e com fotografia e sons dietéticos minimalistas, Tantas Almas é uma experiência semidocumental que ironicamente não tem alma. Quando se assiste a uma obra de arte você deve esperar por opiniões, e quanto mais forte e complexa, melhor. Porém, um filme tão minimalista que divide seu enredo entre os bons e maus desmorona ao menor sopro de razão. E por isso quando paramos para pensar sobre o que acabamos de ver, não há alma nenhuma nos atormentando.


“Tantas Almas” (Col/ Bra/Bel/Fra, 2019), escrito e dirigido por Nicolás Rincón Gille, com José Arley de Jesús Carvallido Lobo.


Trailer do Filme – Tantas Almas

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