Terrifier (2022) | Crítica do Filme

Terrifier | Um choque de mau gosto

O resultado de uma época com rachaduras e problemas estruturais gera sempre filmes que refletem essa imagem. Principalmente quando o assunto é o terror. Mais precisamente o slasher. Terrifier ter se tornado um pequeno clássico cult em uma bolha de fãs é parte do resultado desse mundo que o cerca.

Enquanto Jason nos anos 80, matando “jovens transantes”, era o resultado de uma “Era Regan” e todo seu moralismo e preconceito, o Palhaço Art é o maior representante do submundo dos anos 2000, com seus “celibatários involuntários”, xenofobia, misoginia e a raiva daquela sociedade que está sob os holofotes de uma aparente normalidade tentando somente viver suas vidas.

Art é a criação da mente criativa de Damien Leone, que provavelmente viu filmes de terror demais dos anos 80, mas entendeu pouco o que estava acontecendo. O diretor também escreveu, produziu e montou o curta de 2011 que já apresentava o palhaço assassino matando uma moça desavisada.

Em 2013 Leone repetiu a presença do personagem no longa “All Hallows´Eve”, que era separado em três histórias encontradas por uma babá e duas crianças em uma noite de Halloween quando decidem ver um VHS sem nada escrito. Três história e mais três mulheres sendo assassinadas por Art de modos criativos. O final é meio maluco e conversa com a metalinguagem para poder chacinar as duas crianças.

E talvez esteja aí o sucesso de Art, O Palhaço, essa vontade que Leone tem de chocar o espectador com toda criatividade possível, mesmo diante do mal gosto. Mas é preciso aceitar que o diretor tem um senso visual interessante diante do gore. Terrifier, de 2016 (que em alguns lugares pode ser encontrado com o título de “Aterrorizante”)  se sustenta nisso e gasta boa parte do dinheiro da produção para criar efeitos visuais impressionantes, arrepiantes, grotescos e aterrorizantes (citando o título), mas o que sobra do resto do orçamento resulta em um filme amador, sem pé nem cabeça e que surfa em uma vontade enorme de Leone de torturar e matar suas vítimas (na maioria mulheres).

O roteiro, que quase não existe, começa com a entrevista da vítima sobrevivente de um massacre de Art, sua cara está deformada e ela é humilhada pela apresentadora. O filme em si volta no tempo para contar sobre essa série de assassinatos, mas antes disso, os humilhados serão exaltados de modo violento e cheio de gore. Sim a moça bonita e bem-sucedida é assassinada violentamente pela outra moça deformada e que não consegue se olhar no espelho. Não tem a ver com posição social ou imposição de poder, mas sim com a possibilidade de se erguer contra quem te acha feio. E quem não entender logo de cara essa mensagem pode ter problemas terríveis no resto do filme.

Terrifier | Um choque de mau gosto

No que sobra de ideia, duas moças estão voltando de uma festa de Halloween e começam a ser perseguidas pelo palhaço Art (David Howard Thornton), o resto é só um esforço desmedido de Leone para chocar somente pela razão de chocar. Não existe intenção além dessa, apenas o reflexo dessa raivai de Art contra as pessoas.

É fácil os espectadores menos preparados para todo gore desviarem o olhar ou se incomodarem, o que talvez ajude o filme a ganhar ainda mais fama, mas é tudo o grande resultado de um mal gosto estrutural e de um sadismo sem sutileza que ultrapassa aquele “torture porn” que ficou famoso na primeira década do século, mas que aqui é só o resultado de ideias quebradas, preguiçosas e sem apelo artístico.

A personagem cortada ao meio poderia ser chocante e violentamente divertido, mas em Terrifier, começando pelas pernas abertas e com o palhaço fazendo um movimento que simula o sexo, soa como um desespero vergonhoso contra a mulher como corpo vivo. É difícil ignorar a metáfora, se é que seria possível enxergar isso como uma metáfora.

O que não é simbólico é o próprio Art chorando no colo de uma moça que “mora” no subterrâneo de um prédio abandonado enquanto ela se coloca como “uma mãe”… isso antes dele arrancar seus seios, vesti-los e andar por aí emulando uma criatura caricata que deve resumir sua imagem de como as mulheres se comportam em prédios abandonados enquanto tentam matar outras mulheres.

É lógico que alguns homens também morrem durante o filme, mas esses estão ali naquele lugar onde as vítimas de filmes de slasher estão. A diferença e o sadismo do diretor com suas personagens femininas é clara, óbvia e de embrulhar o estômago. E Art, O Palhaço, parece ser sua persona, seu meio para atingir esse fim que busca a simpatia de uma sociedade quebrada pelos anos de violências reais fora da tela.

A sobrevivente do começo do filme não sobrevive, mas é, literalmente, o resto de comida que fica no prato de Art, afinal, violar suas outras vítimas, justamente, naqueles pontos erógenos não é suficiente, é preciso comê-las antes de ele mesmo tirar a própria vida e reviver em uma nova existência onde suas possibilidades serão ainda mais poderosas diante de um lado sobrenatural de renascimento.

Terrifier é o retrato quebrado de uma realidade que precisa lidar com o ódio de uma parcela obscura dessa mesma sociedade que cada vez mais se quebra diante de uma onda moralista que deixaria Jason orgulhoso. Mas até onde será necessário lidar com isso exposto em um filme que faz sucesso o suficiente para ganhar uma continuação que deve seguir a mesma vontade de ser intolerante e chocar sem a mínima vontade de entender? Não é Art que nos trará essa resposta.


“Terrifier” (EUA, 2022); escrito e dirigido por Damien Leone, com Jenna Kanell, Samantha Scaffidi, David Howard Thornton, Catherine Corcoran, Pooya Mohseni, Katie Maguire e Matt McAllister.


Trailer – Terrifier

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