Testemunha Invisível | Ninguém vai se importar


O filme se chama Testemunha Invisível, tanto aqui quanto na Itália, o que já nos diz mais do que o necessário sobre as diferentes reviravoltas deste thriller psicológico de mistério, que lida com adultério como se vivêssemos nos anos 80 (“se descobrirem que ele tinha uma amante acabou sua vida”) e que pune os ricos e poderosos como se vivêssemos no mundo do Parasita (“ele aprendeu que não podia contar com a polícia comprada para ajudá-lo”).

Decididamente, uma mescla ruim que acaba funcionando no final porque, como todo filme de mistério, queremos com todas as forças nos ludibriar sobre qual a versão real dos fatos.

Ao nos apresentar a advogada de sucesso Virginia Ferrara, ou algum outro sobrenome de respeito, chegando três horas antes do combinado para a reunião com seu cliente, o multimilionário Adriano “Outro Sobrenome De Respeito”, sozinha e com uma postura autoritária, a ambiguidade senta junto de sua personagem e nunca mais vai embora.

Ela é uma farsa? Ou apenas temperamental? Mas esse seria um golpe tão fácil de ser aplicado? Ou advogados que cobram três zeros por hora se comportam dessa forma? Há tantas perguntas sobre Virginia que é impossível que ela não esconda algo, e o filme deixa quase às claras que é justamente isso que irá acontecer. Qual o truque aqui?

Com ela própria não acreditando em suas falas, a atuação de Maria Paiato é o primeiro problema do longa, pois coloca em xeque toda a verossimilança que precisamos para comprar a ideia de um julgamento prestes a ser armado em questão de horas a partir do surgimento de uma nova testemunha.

Esperto o suficiente, Adriano imagina qual seja essa pessoa-coringa, descarta seu testemunho original, e começa a narrar o que realmente aconteceu em sua vida para que fosse encontrado com sua amante morta em um quarto de hotel isolado pela neve e altura. Este basicamente é o filme que será assistido, ou pelo menos a parte boa. A parte ruim repousa em seu núcleo, nessa conversinha clichê de filme da meia-noite entre advogada e cliente.

Entendo que para este gênero vale tudo pelo segredo e mistério, mas não há maneira que um adultério entre adultos, que não são pessoas públicas a ponto de suas vidas dependerem disso, possa ser tão importante em um filme. Adriano é um empresário milionário do ramo de tecnologia, Laura é uma fotógrafa. Ambos já possuem sucesso em suas carreiras e é esperado que no século 21 eles tivessem uma relação saudável como amantes, para o bem de ambos os casamentos.

Dessa forma, a premissa básica, que é a possibilidade disso vir à tona, não se conecta com as consequências de maneira tão dramática a ponto de justificar as ações dos personagens quando surge esse risco. Se a premissa não funciona, pelo menos nos divertimos com o que esse roteiro apronta em termos de reviravoltas.

Só que para isso temos que passar a acompanhar pessoas desprezíveis como Adriano e sua advogada discutindo em uma impecável e gigantesca sala sobre um julgamento que está no fim das contas totalmente sob controle, então essa reunião soa desde o começo exagerada.

Sem existir um princípio de trama que faça sentido, a forma com que os detalhes da história do caso são misturados é fascinante na medida em que analisamos não a mente dos personagens, mas a dos roteiristas, já que ao menos sabemos que eles são os culpados pelos seus personagens pertencerem a um filme de mistério, mas longe de soar realista, se aproxima de uma telenovela.

Oriol Paulo, Massimiliano Cantoni e Stefano Mordini, o diretor, pertencem ao mundo real. Estão sob a influência do cinema pseudo-revolucionário da década, que une a ficção da luta de classes com a atitude descarada da alta sociedade de desprezo e arrogância para gerar drama e tensão. Eles assinam um roteiro que consegue nos fazer ter antipatia pelo réu desde o começo, pois suas ações e reações à entrevista com sua advogada sugerem que ele possui traços de psicopatia e que não deve ser confiável. Porém, a antipatia pelos personagens do trio de roteiristas é contagiosa, e próximo do final do filme não há heróis para abraçar, apenas o cinismo do universo ressoando ao fundo.

Além disso, a fotografia e direção de arte de Testemunha Invisível, quase sempre escura em tons azuis, nos sugere um clima de assepsia que suga toda e qualquer humanidade que essas pessoas possam demonstrar. O único momento que a paleta de cores muda dos tons azuis e pálidos para se tornar minimamente quente e acolhedora é quando a amante de Adriano é ajudada pelo simpático casal que mora nas montanhas.

Por outro lado, essa decisão possui ela própria sua ambiguidade, pois unida às falas anti-naturais de seus personagens nos faz lembrar das telenovelas onde os vilões não são nada sutis, e disparam a realidade nua e crua do que pensam, doa a quem doer. O “ponto alto” da história é sempre nos lembrarmos que aquela advogada fala coisas na cara de seu cliente que não falaríamos para nossos espelhos.

A atuação de Riccardo Scamarcio como o magnata de tecnologia acusado de assassinato precisa ser ambígua do começo ao fim pelo bem da história, mas apesar do ator conseguir com sucesso viver uma versão mais gentil dos acontecimentos, as reinterpretações que seguem são apressadas e evitam dar a chance para que Scamarcio seja desmascarado no terceiro ato. Não dando essa chance, o diretor Stefano Mordini furta do ator a possibilidade de uma atuação memorável. Ou isso ou Scamarcio não está à altura de seu personagem.

Já o que ocorre com Fabrizio Bentivoglio como o senhor simpático das montanhas é que lhe falta o momento da transição para o pai injustiçado que se torna obsessivo e usa de todos os meios para encontrar a verdade e punir os culpados. Essa energia que move o personagem de Bentivoglio não é vista em sua versão inicial, mas estamos falando de uma versão narrada pela narração da amante de Adriano, então tudo pode ser fruto da imaginação de um canalha compondo um personagem, mas se este fosse o caso não haveria tanto esmero em detalhes para um personagem que, como sua própria advogada afirma tanta vezes, nunca se atenta aos detalhes do que fala.

A única verdadeiramente auto-centrada nessa farofa de mistérios é Miriam Leone, que faz a madura amante de Adriano, que vira uma femme fatale genérica na mente de seu suposto assassino, e isso faz sentido porque estamos analisando uma mente masculina. Sem a possibilidade de trazer a verdade de sua personagem à tona, a proposta de Leone é viver uma incógnita do começo ao fim, incluindo suas próprias reações ao inesperado. Não há vida na interpretação da atriz, e é justamente esse o tom exigido por uma personagem que é um mero estereótipo (embora seja erroneamente adotado pela advogada de Adriano, pois esta sim, está presente na história, e não na mente do protagonista).

São curiosas as idas e vindas de Testemunha Invisível próximo do seu final. Ao mesmo tempo que elas são esperadas, pois este é o gênero do filme, e o próprio desiste de tornar qualquer reviravolta empolgante ou surpreendente. Usando o mesmo tom do começo ao fim, este é o retrato cínico de um cineasta que não se importa com os valores de seu trabalho ou com a resposta de sua plateia. É como se ele fosse o Adriano do filme, completamente alheio ao que o júri, nós, os espectadores, iremos achar das mudanças ou das não-mudanças de temperamento das pessoas envolvidas em um caso tão sério quanto assassinato.

E o veredito é: ninguém mais se importa com filmes deste gênero. Nem seu diretor.


“Il Testimone Invisibile” (Ita, 2018); escrito por Oriol Paulo, Stefano Mordini e Massimiliano Cantoni; dirigido por Stefano Mordini; com Riccardo Scamarcio, Miriam Leone e Fabrizio Bentivoglio.

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