The Hunt | Desfile maluco de violência e política


Mais do que o azar diante dos atrasos de seu lançamento, The Hunt ainda peca por tentar fazer algo que resvala no status quo preguiçoso e progressista em que as pessoas ao redor de Hollywood deitam suas cabeças para dormirem tranquilos. Na verdade, a maior declaração política que o filme de Craig Zobel faz é, justamente, contra essa hipocrisia.

O filme é uma ideia de Nick Cuse e Damon Lindelof, dupla que nos últimos anos comandou as séries The Leftovers e Watchmen, portanto, não caiam na armadilha de achar que The Hunt celebra um lado dessa dicotomia política dos Estados Unidos. A crítica é realmente contra a todos, e talvez um desses lados não esteja muito acostumado a ser enxovalhado.

Mas de qualquer lado que venha a crítica, o que importa é que The Hunt é um desfile violento e demente. E como isso é divertido!

Tudo começa sem contar muita coisa, posiciona o espectador dentro dessa ideia de um grupo de ricaços que se juntam para caçar pessoas. É lógico que a ideia não é criativa e todo mundo lembra daquele filme de 1993 com o Jean-Claude Van Damme, o Alvo (que é dirigido pelo John Woo e vale a visita!), mas não se preocupe, The Hunt é uma experiência completamente nova.

Primeiro, pois Zobel e o roteiro não permitem nunca que o espectador descubra quem é o protagonista do filme até lá para o final do primeiro ato. E não se engane, até lá, você vai se apegar a, pelo menos, meia dúzia de personagens.

Esse primeiro momento ainda serve para The Hunt mostrar o que realmente quer com todo esse esforço. De um lado a vontade de te fazer dar umas boas risadas, do outro, começar a desenvolver essa impressão de que essa dinâmica entre vilões e mocinhos talvez não esteja dentro daquele conforto narrativo que você está acostumado. O roteiro de Lindelof e Cuse não foge do ridículo para construir todos esses personagens, e isso é delicioso.

Ambos os lados têm suas verdades esfregadas nas caras do espectador enquanto The Hunt desmistifica a ideia de que existe um lado certo e também de o quanto a normatização do absurdo pode ser um veneno para uma fatia inteira da sociedade. É lógico que o roteiro não critica um dos lados com tanto esforço, mas o faz ser ainda mais ácido, já que dá gargalhadas diante da hipocrisia da situação e não tem o menor receio de ridicularizar quem não está acostumado a ser ridicularizado. E com certeza muita gente irá se identificar com certos momentos, e isso é hilariante.

Enquanto todas essas camadas são desvendadas, e democratas e republicanos americanos vão ficando ainda mais possessos com The Hunt, Zobel toma o caminho do gore e cria um filme que não esconde nenhum pingo de sangue, literalmente falando. Com pouco tempo de filme o espectador já terá dado de frente com corpos explodidos, flechadas sangrentas, tiros que estouram cabeças e tudo mais que você puder imaginar. Zobel vai ao limite da violência e entrega para os fãs um daqueles filmes inesquecíveis.

É lógico que depois de uma primeira metade onde The Hunt simplesmente não tira o pé do acelerador, o filme se acalma um pouco para dar espaço para os personagens conversarem sem simplesmente serem mortos. Enquanto isso deixa tudo um pouco mais lento, não deixa nunca de ser um delírio maluco. A nova versão da fábula da lebre e da tartaruga ganha um final tarantinesco e absolutamente divertido, e momentos como esse valem a lentidão desse segundo momento.

Tudo ainda culmina para uma cena de luta extremamente bem coreografada e com um trabalho incrível de Craig Zobel, em uma espécie de John Wick doméstico com pitadas de sanduíches de queijo, vidraças não quebras, lâminas de centrifugas, champanha caro e, é claro, a Revolução dos Bichos.

Falando no livro de George Orwell, Lindeloff e Cuse estão incrivelmente à vontade com a metáfora, é exatamente ela que move a trama de The Hunt. E se um dos lados simplesmente não sabe do que eles estão falando, do outro, muita gente não entendeu e é isso que a dupla quer provar. Não adianta nada um dos lados se aproximar do bom senso e da razão se acabar cometendo as mesmas falhas daqueles contra quem lutaram, mataram e explodiram. Enquanto o caviar ainda for exclusivo para aqueles quem não o estão servindo, nenhuma revolução terá dado certo.

The Hunt perdeu a primeira data de estreia por estar muito próximo de algum dos grandes tiroteios em escolas americanas do ano, foi então empurrado para março de 2020 e perdeu a guerra para a epidemia de covid-19. Chegou “on demand” pelo mundo, no Brasil, por um valor absurdo e que o afastará ainda mais do público. Infelizmente, já que The Hunt, além de divertido, violento e bem-humorado, ainda tem uma profundidade que deveria ser bastante discutida. Realmente uma declaração política que não deveria ser ignorada.


“The Hunt” (EUA, 2020); escrito por Nick Cuse e Damon Lindelof; dirigido por Craig Zobel; com Betty Cilpin, Hilary Swank, Ike Barinholtz, Wayne Duvall, Ethan Suplee, Ymma Roberts, Reed Birney, Glenn Howerton, Steve Coulter e Vince Pisani.


Trailer do Filme – The Hunt

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