Tire 5 Cartas | Não foge muito o óbvio, mas vale os poucos risos

Tire 5 Cartas é uma comédia nacional quase sem graça, e ainda por cima só pode ofender estereótipos permitidos — como a crente do “você-sabe-o-quê quente” — e promover estereótipos que estão sob os holofotes da cartilha social vigente — que nem preciso descrever, está na moda. No entanto, como em muitos trabalhos brasileiros, suas virtudes vêm menos de suas convencionais história e direção e mais do seu carismático e animadíssimo elenco, encabeçado pela sempre disposta, presente e graças a Deus ainda muito viva Lília Cabral.

Cabral exibe junto de seus 66 anos toda a maestria de seu sorriso inabalável, que apenas se desmancha quando é necessário para o papel. Ela protagoniza além de praticamente todas as cenas que valem a pena um maravilhoso momento em que canta com sua própria voz, uma das poucas sequências com uma direção um pouco mais imaginativa de Diego Freitas, que durante o resto do seu terceiro filme (os dois anteriores são o terror O Segredo de Davi e o drama Depois do Universo) segue os passos dos herdeiros da comédia nacional moderninha, investindo em travellings bregas das externas e a câmera de palco em cenários fechados de programas de humor da televisão aberta.

Nós acompanhamos no filme a trambiqueira Fátima (Cabral), uma mulher de 60 anos que deixa sua São Luís do Maranhão em busca da fama de cantora no Rio de Janeiro. As coisas dão errado, acontece com quase todo mundo. Para ela e para seu marido Lindoval (Stepan Nercessian), que para termos uma ideia do fracasso trabalha como cover de Sidney Magal. E ao descrever esta sinopse começo a pensar se já não filmaram isso antes…

Para permanecer distante da terrinha natal, Fátima se mantém como uma taróloga falseta para ganhar (muito) dinheiro às custas dos fregueses fãs de uma boa crendice. Qualquer semelhança com igreja evangélica não é mera coincidência, exceto que o longa debocha levemente de suas vítimas por serem de uma classe social que os permitem esses mimos narcisistas de querer enxergar o próprio futuro. Além de serem otários, é claro.

Para seu sucesso nas consultas das cartas Fátima confia em seu espião, o próprio marido, que se aproveita da timeline nas redes sociais dos clientes para inferir detalhes da vida pessoal e assim impressionar as vítimas. É uma ideia bacana, mas ninguém se preocupou em torná-la rica em detalhes. A mesma cena se repete algumas vezes com diferentes clientes. A confiança na risada fácil do espectador é deprimente.

Tirando sonhos não-realizados as coisas até que estavam bem. Quando em um belo dia um valioso anel vai parar nas mãos, ou melhor dizendo, no dedo de Fátima, e ela e o marido precisam agora fugir de volta para o Maranhão para despistar os dois bandidos por trás de um golpe. Quer dizer, um bandido e seu irmão, o conhecido alívio cômico das obras mais populares da cinemaprassice mundial.

Chegando em São Luis, onde o filme foi produzido de fato, ela reencontra a irmã, de quem guarda uns ranços. Ambas, você já sabe, irão ter que resolver isso enquanto precisam lidar com uma… sim, uma herança de um falecido tio, uma pensão cujos moradores completam o elenco acessório. Oras, você conhecia esta história antes de eu apresentá-la. Está formada uma versão famigerada do Zorra Total em nova roupagem e velhas piadas.

Tire 5 Cartas vai divertir com certeza o espectador médio que está acostumado com brasileiragens na telinha. Ele é fácil, ritmado e possui boas atuações, com energia. Além de Lília Cabral seu par Stepan Nercessian seguram boa parte do longa apenas com seus trejeitos, não dando sequer espaço para os apagados e repetidos coadjuvantes.

Há participações especiais bem pequenas dos saudosos e queridos Alcione e Sydney Magal. É uma pena que é tão pouco tempo de tela que não posso dizer que o filme valha por isso. Vale mais pelo resto, esse passatempo anacrônico e saudosista de um tempo ruim que sempre volta de vez em quando. As boas risadas ficaram no set de filmagens. Espero que toda a produção tenha se divertido.

“Tire 5 Cartas” (Bra, 2023); escrito por Joaquim Haickel; dirigido por Diego Freitas, com Lília Cabral e Stepan Nercessian.

SINOPSE – Uma taróloga picareta e seu marido acabam tendo que mudar de vida quando um presioso anel cai em suas mãos.

Trailer do Filme – Tire 5 Cartas

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