Com 36 anos entre os dois filmes e se tornando a continuação com maior tempo entre um filme e outro da história do cinema, Top Gun: Maverick cria expectativas. Tanto dos fãs do original, quanto de quem vem acompanhando Tom Cruise em um monte de filmes de ação sem CGI e onde coloca sua vida em risco. A boa notícia para ambos os públicos é que todo mundo ficará feliz.
É lógico também que fica aberta as portas para um pouco mais de todos aquelas opções estética e narrativas do filme original. Com intenções que iam da celebração ao masculino, suado, competitivo e cheio de testosterona, até a visão divertidamente distorcida do personagem de Quentin Tarantino em “Sleep With Me”, de 1994, onde, na verdade, Maverick estaria no meio de uma disputa entre seu lado heterossexual e homossexual.
Em ambos os casos há um exagero de leitura. Algo que não prejudica o original e muito menos o novo. Mais ainda, essa volta ao material original toma um caminho diferente e encontra um sentimento forte, bem posicionado e poderoso. É lógico também que é um desfile de gente bonita competindo e até com uma desculpa vazia para tirar a camisa de todo mundo em certo momento. Mas talvez Top Gun: Maverick não mereça ser só isso.
Entre os nomes que assinam o roteiro, Peter Craig talvez busque as respostas para isso em um outro lugar. É claro que é difícil em um texto com cinco assinaturas saber quem fez o que, mas o currículo de Craig traz coisas como Atração Perigosa, 12 Heróis, Bad Boys Para Sempre e Batman, todos sobre homens em posições de fragilidade depois de se descobrirem em um lugar onde precisam se entender antes de seguirem em frente, mesmo que isso signifique deixar para trás tudo aquilo que acreditavam. Maverick também é sobre isso, basta dar uma chance para o filme.
Obviamente, Cruise é novamente Pete “Maverick” Mitchell, agora “Capitão”, mesmo com a idade avançada e uma carreira que já pudesse tê-lo colocado em uma patente maior. Mas “Maverick” não quer isso, quer viver em um hangar velho e manter uma carreira suicida de piloto de testes. Isso até que ele, mais uma vez, desobedece uma ordem superior e acaba, como castigo, tendo que voltar para Miami para treinar um grupo de pilotos no Fighter Weapons School. Ou seja, ser o professor de alguns Top Guns.
A ideia parece batida, e é, mas é feita com carinho e competência. A desculpa (nada secreta) é um ataque secreto em uma base nuclear iraniana, secreta. Uma missão suicida que nenhum daqueles jovens pilotos está preparado para fazer, mas que “Maverick” terá que fazer com que eles estejam. E aqui vai um outro problema, já que um dos pilotos é o Tenente Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho do antigo parceiro de “Maverick”, “Goose”.
Toda essa dinâmica emocional é o que espreme o protagonista diante da necessidade de permanecer como um herói destemido e frio, mas que tropeça na vida às custas do trauma da morte do parceiro e do desentendimento com “Rooster”, que coloca a culpa nele. A pequenez de “Maverick” ainda passa por uma carreira que é constantemente salva pelo Almirante Tom “Iceman” Kazansky, o ex-rival vivido por Val Kilmer. A relação dos dois é um dos pontos altos do filme e acaba se mostrando como uma emocionante homenagem ao ator, que luta hoje contra um câncer na garganta.
Top Gun: Maverick, não é sobre masculinidade tóxica ou é uma analogia homoerótica, mas sim é sobre um homem que não entende mais seu lugar naquele mundo e se joga até o limite para, quem sabe, um dia esse limite leva-lo junto com toda dor. O roteiro de Craig (e de seus parceiros de escrita) é sobre essa transformação, sobre o entendimento de que ele pode continuar sendo ele ao invés de ficar por aí tentando se matar no cockpit de um avião supersônico de testes. “Maverick” está sempre pronto para se sacrificar, mas do momento que se torna responsável por esses jovens, seu primeiro pensamento é de criar uma missão onde o mais importante seja eles voltarem para casa.
Tudo isso parece simples e vazio, mas é direto. O novo Top Gun sabe onde quer ir e vai. Rápido. Muito rápido mesmo. Dentro do cockpit desses pilotos, voando com eles.
Talvez mais do que isso. O espectador é achatado, jogado de um lado para o outro e sem respirar graças ao trabalho incrível de Joseph Kosinski, que assinou coisas super legais como Tron: O Legado, Oblivion (também com Cruise) e o ignorado Homens de Coragem. De todos esses filmes, ele traz essa objetividade e essa sensação de sempre colocar o espectador dentro desse mundo. Mas em Top Gun: Maverick ele exagera (para o bem!).
É lógico também que seria impossível comparar qualquer frame de seu trabalho com o original de Tony Scott, que fez de seu Top Gun um divisor de águas para o visual do cinema em tudo que veio depois dele. Portanto, Kosinski não tem o estilo de Scott, mas não parece nunca tentar emular isso. Kosinski está muito mais interessado no quanto a tecnologia em 2022 o permitirá entregar aos espectadores algumas das mais impressionantes, empolgantes e tensas cenas de batalhas aéreas que o cinema já viu.
Principalmente a diminuição das câmeras permite que o novo Top Gun seja filmado “in Loco”. Seus atores estão realmente dentro de aviões sofrendo a pressão da gravidade distorcer suas faces enquanto tentam, literalmente, sobreviver àquilo. Junte esse trabalho de direção de fotografia impressionante de Claudio Miranda, com a montagem de Eddie Hamilton (que assinou os últimos dois Missões Impossíveis e também os dos próximos) e o resultado é um filme que deixará qualquer um na beirada da poltrona. Ou dentro do cockpit. A tensão é a mesma.
Melhor ainda, tudo isso em um filme maduro e que resolve seus problemas um por vez. Não existe um clímax final onde todos problemas de relacionamento do protagonista sejam resolvidos. É lógico que ele “dá um jeito” em tudo, mas a trama tem paciência de ir descascando esses problemas a cada cena. A sequência final (e isso é um spoiler), já acontece com “Maverick” e “Rooster” entendendo seus problemas e ambos ultrapassando suas inseguranças e medos por um bem maior. Isso não quer dizer que as cenas de ação sejam previsíveis, não são e a emoção não está somente nos efeitos visuais, mas também em uma situação de perigo que não deixa os protagonistas respirarem antes de mais uma cena de ação impressionante. E depois outra. E mais uma. E por fim outra.
Top Gun: Maverick é então esse grande filme de ação que entende suas intenções, não deixa de ser uma grande homenagem ao filme original, mas também é novo. Traz com ele tudo de mais moderno e empolgante que o gênero podia entregar para essa sequência, que tanto faz jus ao clássico que o primeiro foi, assim como ao quanto é preciso sair um pouco do óbvio para encontrar um novo público. Maverick cria expectativas e voa entre elas como um ás indomável (e me desculpem pelo trocadilho!).
“Top Gun: Maverick” (EUA, 2022); escrito por Ehren Kruger, Erick Wareen Singer, Christopher McQuarrie, Peter Craig e Justin Marks; dirigido por Joseph Kosinski; com Tom Cruise, Val Kilmer, Miles Teller, Jennifer Connelly, Bashir Salahuddin, Jon Hamm, Charles Parnell, Monica Barbaro, Lewis Pullman, Jay Ellis, Glen Powell e Ed Harris.