Transcendence – A Revolução apresenta ideias ambiciosas e discutidas atualmente: até onde a ciência pode avançar, o que somos capazes de alcançar com a tecnologia, o que define (se é que podemos definir) a consciência humana. Infelizmente, ao invés de desenvolver essas discussões, o longa prefere desenvolver uma trama tola, bagunçada e pouco instigante.
Já começando com problemas ao estabelecer o personagem de Paul Bettany como narrador da história em sua sequência de abertura apenas para logo em seguida esquecer que fez isso, o filme roteirizado por Jack Paglen e comandando pelo diretor de fotografia Wally Pfister, estreando na direção, nos apresenta a um mundo empoeirado, sem eletricidade e sem internet. Para descobrir como chegamos àquele ponto, voltamos no temppo e conhecemos, então, o casal de cientistas Will (Johnny Depp) e Evelyn Caster (Rebecca Hall), especialistas em inteligência artificial. Em um evento científico, Will leva um tiro de um dos membros de um grupo contrário ao uso excessivo de tecnologia pelos humanos. Com pouco tempo de vida, ele tem sua consciência transferida para o computador, ganhando, assim, acesso a dados e conhecimentos antes inacessíveis a seres humanos sem o auxílio de uma máquina.
Mas, como o roteiro não se cansa de repetir, é difícil, se possível, “provar” a humanidade de alguém – e uma semana antes da estreia de Transcendence, uma máquina passou no Teste de Turing e conseguiu fazer com que um terço dos cientistas participantes acreditassem estar conversando com um garoto de 13 anos. É uma pena, portanto, que o longa desperdice tão grandiosamente a relevância e atualidade dos temas que aborda, pouco se preocupando em retratar a incrível situação pela qual Will passa – depois de algumas décadas vivendo normalmente como um ser humano, ele se transforma naquilo que tanto pesquisou e trabalhou para criar, uma máquina com inteligência superior a qualquer cérebro orgânico.
O cientista, porém, mostra-se um personagem pouco interessante – o que não é auxiliado pela atuação preguiçosa de Depp, que nada faz para ilustrar as mudanças pelas quais Will passa. Ele é um homem bom que se corrompeu com o poder absoluto? Ou seriam suas ações nobres, apenas mal-compreendidas? A tecnologia é maligna ou uma ferramenta para o mau da humanidade? São visões bem distintas, e o longa nunca decide por qual destes caminhos quer seguir, tornando difícil justificar sua existência. Da mesma forma, os terroristas que se tornam, de certa maneira, responsáveis por reestabelecer a ordem, não conseguem se estabelecer como “mocinhos”, pois não dá para esquecer, afinal, que eles cometeram um assassinato (ou, ao menos, uma tentativa), e que sejam contra até mesmo mensagens de texto e redes sociais.
Desperdiçando totalmente nomes como Morgan Freeman, Cillian Murphy e Paul Bettany, Transcendence sequer aproveita a talentosa Rebecca Hall, cuja personagem é o centro emocional do filme. Eficiente ao demonstrar os conflituosos sentimentos de Evelyn, Hall é prejudicada pela fragilidade do roteiro, que falha ao estabelecer sua trajetória – depois de decidir salvar a consciência do marido, Evelyn passa o resto do filme principalmente reagindo às ações de outros personagens. Além disso, o lado romance da história (mais um caminho que o longa tenta, mas falha em seguir) não convence, tornando a conclusão pedante e insatisfatória – afinal, não vemos esse grande amor que Will diz sentir pela esposa, ou porque ele inspira esse sentimento de forma tão profunda na companheira.
E, enquanto competente em seu design de produção, que utiliza os longos corredores brancos para refletir a opressão do laboratório em que Evelyn é praticamente obrigada a trabalhar ao lado do Will-máquina e evocar essa opressão também no ambiente acolhedor, mas dominado pela presença de seu marido, no lar da cientista, a direção de Pfister, um talentoso diretor de fotografia, é decepcionantemente genérica. A falta de apelo visual, por sua vez, apenas ressalta a pouca qualidade dos outros aspectos do filme – afinal, para algo que resultou, como vemos na sequência de abertura, na interrupção total do uso de internet e eletricidade, é admirável o baixo nível de tensão e perigo durante o longa, que pouco se preocupa em estabelecer as motivações de Will.
Transcendence, ainda por cima, tenta encaixar de forma preguiçosa a nanotecnologia em sua já lotada trama, fazendo deste apenas mais um elemento desperdiçado. Se o belíssimo Ela, de Spike Jonze, já neste mesmo ano discutiu de forma excepcional a natureza da consciência e dos sentimentos humanos e o que difere seres humanos de uma máquina inteligente, os males que podem ocasionar da dependência excessiva da tecnologia é discutida de forma instigante na série britânica Black Mirror, que, ao contrário daqui, consegue deixar clara sua visão sobre as situações assustadoras que retrata em seus episódios: a tecnologia é apenas uma ferramenta que homens e mulheres utilizam para realizar seus objetivos e, por si só, não é boa ou má.
Já Transcendence – A Revolução não consegue nem sequer estabelecer a índole do personagem-chave de sua trama. A impressão é a de que os realizadores decidiram fazer “um filme filosófico de ficção científica” e juntaram tudo o que acham interessante na ciência atual, sem se preocupar em unir os diferentes elementos de forma orgânica ou aprofundá-los. Pelo jeito, não conseguiram nem decidir o que pensam sobre cada um. O resultado é um trabalho que obviamente se julga inteligente e instigante, mas que jamais consegue realmente levantar questionamentos.
“Transcendence” (EUA, 2014), escrito por Jack Paglen, dirigido por Wally Pfister, com Johnny Depp, Rebecca Hall, Paul Bettany, Morgan Freeman, Cillian Murphy, Kate Mara e Clifton Collins Jr.
Trailer do filme “Transcendence – A Revolução”
2 Comentários. Deixe novo
Transcendence apresenta uma proposta genial e inicia várias discussões. Este thriller de ficção científica mais de 100 minutos, eu gostei. Transcendence é um filme estranho e muito futurista que eleva a curto prazo um futuro muito sombrio para toda a humanidade. Eu encontrei um link para alguns fatos interessantes sobre os tempos de cinema e de transmissão: LINK. A coisa interessante sobre este filme é o debate e o dilema moral que surge quando se discute os limites da ciência e tecnologia. Transcendênce é o primeiro filme que fez Wally Pfister, diretor de fotografia de quase todos os filmes de Christopher Nolan.
Gostei da crítica, mas o que não levaram em consideração foi o conjunto da trama, se tu for fazer uma crítica em cima da nano tecnologia, do mau aproveitamento dos atores, do que seja, e não mostrar a ideia principal do filme, não tem como considerar um posicionamento coerente em relação a ideia final. Em meu ponto de vista, há sim como ter possíveis conclusões a respeito da índole do personagem chave, compare seu comportamento antes da transcendência e verão que ele manteve suas ideias, ou melhor, as ideia da Evelyn, que era mudar o mundo. Mas por outro lado quando questionado de sua auto existência ele não soube responder. Ou foi mera ironia? Talvez tudo isso nos leve a uma análise mais criteriosa do filme, mas garanto que um texto de 1982794187 linhas não justifica uma crítica promulgada em cima de meias interpretações. O filme é excelente, justamente esta ”alternância” dos vilões e mocinhos que sustenta a ideia da trama… ou não. Não é qualquer um que se adequa intelectualmente a este tipo de filme, é melhor retornar ao bom e velho bang bang.