É curioso descobrir que Trem Noturno para Lisboa seja, na verdade, o resultado literário de um filósofo suíço de pseudônimo Pascoal Mercier (seu nome é Peter Biere) às voltas com uma tentativa de entender um pouco mais do ser humano, mas que, nas telas dessa adaptação dirigida por Billie August, se torna apenas uma boa (porém previsível) história de amor e descobertas.
A parte de descobertas é a desse professor suíço vivido por Jeremy Irons, solitário e vivendo uma vida vazia que só lhe permite jogar xadrez (sozinho) e ministrar suas aulas, até que dá de cara com uma moça prestes a se jogar de uma ponte. A parte da história de amor vem de um livro dessa mulher que acabando ficando com ele após ela fugir e deixar para trás ele, um casaco vermelho e um mistério.
O trem do título é o primeiro estágio dessa aventura do protagonista, que embarca nele movido apenas por uma vontade quase sobre-humana de entender tudo isso que cruzou sua vida. Quem é essa mulher e, mais ainda, quem é esse tal de Amadeu (Jack Huston) de Prado, médico português que dita suas lembranças nesse livro e parece prender Raimund (Irons) em suas páginas.
Trem Noturno para Lisboa então passa a se dividir em duas linhas, uma que acompanha o professor suíço em busca do que estava por trás do livro e desse homem que parece discorrer pensamentos filosóficos belíssimos (e ai talvez esteja a motivação do autor em sua área). Na outra linha, o próprio Amadeo narra sua própria história, de filho de juiz até “soldado” da resistência contra a ditadura portuguesa de Salazar.
E ainda que seja interessante seguir as sutis transformações desse professor que precisou “fugir” e encontrar uma nova motivação para voltar a enxergar melhor o que realmente quer da vida (a analogia com os novos óculos, mais leve e quase sumido de sua face, faz bem seu papel), em pouco tempo Trem Noturno para Lisboa passa a ser sobre esse Amadeu, e principalmente sobre o quanto todos que cruzaram sua vida, de um modo ou de outro, terminaram com cicatrizes que os marcaram até os dias de hoje. O problema disso para o filme é que, em nenhum momento, isso empolga tanto assim.
Mesmo bonita e construída sobre pilares como a amizade, a luta pela liberdade desse país e um caso de amor que coloca todos em risco, a vida desse Amadeu está bem longe de ser algo minimamente surpreendente, o que resulta em um filme tão mediano quanto. De modo episódico e como em mais um milhão de outras histórias, Raimund embarca nessa investigação onde ninguém consegue contar toda verdade sobre o que aconteceu, e quem o sabe (como o personagem no asilo), o faz em doses homeopáticas para garantir mais alguns minutos de filme. Um mosaico que, no final das contas, demora a se formar, e quando se forma, todo mundo já tinha quase certeza do desenho que iria resultar.
Junte a isso uma direção descartável e tediosa, que, assim como a história não parecem a fim de se aprofundar “nessa tal ditadura”, aproveita pouco a geografia de um país que, depois de ser lindamente apresentado no começo, fica resumido a algumas poucas esquinas e travessas.
O interessante é que isso tudo (da direção à obviedade) acaba não prejudicando tanto assim a linha principal do filme, deixando-o ainda ser um pequeno deleite para o espectador que acompanha Irons (que, mesmo no piloto automático, funciona bem e cativa o cinema) e torce não para que ele chegue ao final da história, mas sim para que ele não pegue o trem noturno que sai de Lisboa, decisão que o permitiria que continue a ser esse novo homem que encontrou uma nova razão ao invés de ser aquele velho personagem triste e que não só salvou a desconhecida da ponta, mas fez o mesmo consigo próprio.
“Night Train to Lisbon” (Ale/Sui/Por, 2013), escrito por Greg Latter & Ulrich Hermann e Pascal Mercier (livro), dirigido por Bille August, com Jeremy Irons, Mélanie Laurent, Jack Huston, Martina Gedeck, Lena Olin e Bruno Ganz
Trailer do filme Trem Noturno para Lisboa