Tudo ou Nada | Na corda bamba


Imagine um documentário em que aparece uma frase do seu diretor dizendo que seu objetivo com este filme é mostrar como viver com traumas do passado. Quer dizer, ele pensou que seria sobre isso. Tudo ou Nada começa assim, deixando o espectador com a pulga atrás da orelha, pensativo e apreensivo, aguardando talvez pelo pior, depois de conhecer os dois protagonistas deste filme. Um detalhe importante: ambos confessaram terem tentado se matar.

Não começa fácil a história de Tudo ou Nada. Em alguns momentos vemos essas duas pessoas conversando com o diretor do filme por mensagem ou pessoalmente, e a sensação é que eles estão na corda bamba e o objetivo original deste longa começa a ruir aos poucos. Mas o que isso quer dizer sobre as pessoas retratadas?

Sunteck Yao foi abusado na infância por um completo estranho após ter se perdido voltando da escola. Adulto, ele é um artista plástico e se veste de palhaço indo nas escolas para espalhar seu alerta às crianças, para que estejam atentas à sua volta. A última coisa que ele deseja é que mais alguém passe pelo que passou. Conforme acompanhamos sua história fica mais claro que este foi o evento decisivo de sua vida que cunhou sua personalidade frágil e sua relação de distanciamento e desprezo pelos pais.

Meimei Tong estava casada e queria ter um filho com seu marido. Sua primeira tentativa terminou em um aborto espontâneo e não houve uma segunda chance. Alguns meses depois seu marido morreu em um acidente. Sozinha, ela reconstruiu seu “eu” através de sua profissão de terapeuta e se indignando quando descobre os golpes que sua mãe acaba caindo em compras duvidosas de produtos que ajudariam a passar por uma velhice tranquila. Podemos dizer que nessa dinâmica não sabemos se ela própria chegará em ser uma velhinha.

Descrevendo este filme parece que ele possui algum roteiro pré-planejado e que algumas possibilidades estão na mesa. Engana-se. Este é um projeto difícil para todos, pois o diretor Hao Zhou se envolve com o tema e continua filmando até alguma coisa acontecer. Qualquer coisa. E quando nada acontece seus astros começam a se incomodar com essa invasão em suas casas e em suas vulneráveis psiques. E fica muito óbvio que o problema não é a equipe, mas unicamente o diretor. E ele não tem culpa necessariamente: é sua profissão. Isso não evita que ele repense a ética de sua decisão em reabrir feridas de seus queridos personagens.

Tudo ou Nada faz pensar nessa relação entre o documentarista e seus objetivos. Faz pensar em qual o limite, se é que existe algum, para filmar temas sensíveis sem o preparo psicológico necessário às pessoas que estarão à mercê do projeto, e faz pensar em muito mais detalhes da filmagem e montagem do que foi coletado nesses meses do que na história do filme. E faz pensar em suicídio. Será que algum irá acontecer? Sem spoilers, posso afirmar que o filme começa a ficar verdadeiramente bom, acima de suas medíocres expectativas, próximo do final, quando algo sai dos trilhos e era isso que esperávamos.

Além disso, tal como uma série de streaming que torce para nos identificarmos com o protagonista nos primeiros episódios para não precisar de conteúdo original dali pra frente. Dali pra frente vira “slice of life”, comum entre nós, e qualquer evento junto dessas queridas pessoas já estará de bom tamanho.


“All In” (Chi, 2021), dirigido por Hao Zhou, com Sunteck Yao e Meimei Tong.


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