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7 DE AGOSTO, QUINTA-FEIRA

Ganhei um “gift code” no Looke. Por 30 dias, filmes, filmes, filmes. Todo dia, ou quase todo dia, ou quando puder, um filme antes de dormir. Pra aproveitar o brinde ao máximo. Prefiro filmes a séries. Nunca postei essa “opinião impopular” nas redes sociais porque tenho vergonha na cara e ninguém me perguntou nada. Meu aniversário já passou, o Natal tá longe, não tinha data especial envolvida. Só ganhei o presente porque existem pessoas despretensiosas andando por aí, mas às vezes prestamos atenção demais no outro lado da rua.

8 DE AGOSTO, QUINTA-FEIRA

Comecei por 42 segundos sem dar um Google pra saber o resultado do polo aquático masculino em Barcelona-92. Muitas vezes, filmes com temática esportiva podem cair num caminho meio motivacional, meio autoajuda. Não foi o caso. Quase sempre, filmes com temática esportiva seguem a jornada do herói passo a passo. Justo, natural. Foi esse o caso. Quando vi o filme, fiquei pensando: sou quase zero competitivo, tenho quase pavor de competição, prefiro a cooperação. Essa pressão mental, essa ânsia pelo resultado não me faz bem. Não serve pra mim. Não gosto de fazer testes, de jogar. Um amigo de infância diz que sou mentiroso e que minha aversão a competições é por horror a perder, e que sou o cara mais competitivo do mundo em tudo na vida, mas disfarço, como um dependente químico repetindo “só por hoje” pra não ter recaídas. Talvez por isso, sou meio obcecado em acompanhar competições esportivas. Nem sempre de perto, quase sempre bem informado. Aprendi hinos de outros países vendo Fórmula 1; guardo lembranças da vida me guiando por anos de Copa do Mundo e de Jogos Olímpicos. Falei demais de mim e pouco do filme, eu sei. Como é insano ser atleta de alto rendimento. Pressão mental, cobrança, preparo, tomadas de decisão em poucos segundos. Impossível não respeitar. Só quem não respeito é o técnico, um idiota que usa da escrotidão pra motivar o time espanhol. Eu odiaria ser chefiado por alguém tão petulante assim. Mas não sou um atleta de alto rendimento.

10 DE AGOSTO, SEXTA-FEIRA

Existem pequenas raridades nos streamings menos populares. Como se estivéssemos atravessando uma mata fechada, somos obrigados a usar uma foice para desviar dos filmes mais badalados. De uma hora pra outra, entre aves sobrevoando nossas cabeças e mosquitos deixando caroços avermelhados na pele, encontramos as tais raridades. Às vezes, são espécies em extinção. Desse jeito, topei com Verônica, filme brasileiro de 2008 com a sempre excelente Andréa Beltrão de protagonista. Sinopse simples: uma professora de saco cheio da profissão tá num dia comum de tão chato, quando os pais de determinado aluno não aparecem; em pouco tempo, Verônica descobre que foram assassinados por bandidos da polícia e policiais do tráfico; o moleque tá jurado de morte e, enfim, é preciso fugir. Esse é daqueles filmes com ritmo corrido, como corridas também são as fugas, como corridos são uns momentos da vida em que fugimos sem parar, sem saber pra onde ir, talvez fugindo de nós mesmos. Talvez exista essa camada implícita na professora que se incumbe da missão suicida, entendiada pela recente separação do policial de comportamento ambíguo (Marco Ricca) e com os pais em condições delicadas de saúde. Um filme curto e bom. Tomara que mais gente tropece nessa raridade.

14 DE AGOSTO, QUARTA-FEIRA

Nesses meses de 12 horas de trabalho por dia em três empregos simultâneos, o tempo pros filmes é curto. (O tempo pra tudo tá curto). Mas hoje, com nada pra fazer (acontece!), tive uma brecha pra ir de A garota do livro no finzinho do expediente. A premissa: Alice é assistente numa editora de livros e sonha em ser escritora; seu pai é um agente literário famoso e ela é convidada a trabalhar num lançamento de um velho conhecido, fazendo-a reviver traumas passados. Numa cena específica do filme, antecipei a cretinice antes da revelação na tela. E isso não diminuiu o filme, diga-se. Pode parecer óbvio o meu interesse em histórias com personagens de livros, com personagens criadores de livros. Como uma história dentro de uma história dentro de outra história. Nesse caso, gostei especialmente da construção do escritor pilantra. Porque no meio literário também tem gente assim: mau caráter, vaidosa (ô se tem!), capaz de passar a perna em quem cruzar sua frente pra conseguir o que quer. De alguns escritores conhecidos meus, não compraria um carro usado nem sob ameaça. É o mundo, é a vida. Me fez pensar, mais uma vez, como os dias sem ficção são mais pobres, mesmo com muito dinheiro no bolso.

16 DE AGOSTO, SEXTA-FEIRA

Quando bati o olho em Os tradutores, logo coloquei na lista do “Assistir depois”. A identificação óbvia com personagens escritores e livros no centro da trama me chamou atenção. A história é, aparentemente, simples: um grupo de tradutores é contratado pra passar uns meses num bunker, traduzindo o terceiro livro de uma saga best-seller. A editora se protege contra vazamentos de um jeito compulsivo, neurótico, esquisito, problemático. Pra dizer o mínimo. Dez páginas da obra são publicadas na internet e aí o filme vira uma maluquice da porra. Suspense, mistério, reviravoltas mirabolantes. Não chega a ser um terror, mas tá com um pezinho ali (pelo menos pras personagens). Sabe aqueles filmes que tentam te surpreender a todo custo e no meio do caminho a gente até dá uma respirada do tipo “tá bom, tá bom, fala qual é a grande novidade da vez”? Foi isso. Meio clichê, mas divertido. Convenhamos, é isso que importa.

18 DE AGOSTO, DOMINGO

O nome é chamativo: Relacionamento aberto. Num dia de trabalho nada movimentado, dei play no filme finlandês (finlandês!), que se relaciona (rá!) com uma temática presente em livros que li recentemente. Nele, uma política bem-sucedida, na faixa dos 40 e tantos, descobre que o marido, um pastor luterano (acho), tá pulando a cerca. Bom, o nome do filme finlandês (finlandês!) parece antecipar que logo ela dá um jeito de pular as tais etapas do luto e propõe um, adivinha?, relacionamento aberto. (E se me perguntarem sobre um interesse especial no assunto, não nego nem confirmo). Como era de se esperar, a protagonista busca nessa nova combinação afetiva o bote salva-vidas para o casamento em turbulência, mas vê que na prática a teoria é mais complexa. Sentimos mais do que pensamos, afinal. Entre tropeços e acertos no dia a dia, as coisas até vão se ajeitando de uma forma que exige desprendimento tanto das personagens quanto de quem se propõe a ver esse filme lento (gosto!). No fim das contas, as relações humanas, seja de que tipo, são como as nuvens: olhamos uma vez e enxergamos uma figura; dali a poucos minutos, olhamos de novo e notamos outro formato. Às vezes, nos assustamos com o animal ou monstro tomando forma nos céus. E se tivermos paciência, reparamos que as nuvens se dissipam.

19 DE AGOSTO, SEGUNDA-FEIRA

Insubordinados: mais um filme visto durante o expediente. Nada melhor pros momentos tediosos, de pouca coisa a fazer depois de entregar trabalhos (job é o caralho!), e esperar a hora de desligar o computador. Nele, a protagonista acompanha o pai inconsciente num hospital, em estado terminal; lá, passa as horas e os dias escrevendo um romance policial movimentado e pouco tedioso, colocando ali pessoas do entorno como personagens. Entre a boa ideia e a execução, foi-se uma grande distância. Acontece. Esse caminho de fazer da ficção um lugar mais movimentado que a vida real me parece familiar. Volta e meia, tenho uma convicção: mais dia, menos dia, todo mundo vai se decepcionar comigo, por isso me impressiono com quem ainda não desistiu de mim. Neuroses ou verdades, melhor não elaborar demais. Me distraí durante o filme com umas ideias esquisitas, dessas que não vão embora tão cedo depois de chegar sem bater à porta: talvez a minha escrita também seja mais interessante que a minha vida, mesmo que uma faça parte da outra; talvez eu deposite nos textos frustrações e incômodos, criando um alterego mais ácido, pessimista e perturbado mentalmente pra fins estéticos; talvez um leitor confunda autor e narrador e passe a questionar tudo que lê de mim, chegando a pensar na veracidade de escritos como este. Talvez tenha sido só mais um filme esquecível, capaz de passar o tempo e me livrar do tédio laboral.

24 DE AGOSTO, SÁBADO

Borderline: relação obsessiva é bem a cara dessa época de aplicativos e plataformas digitais. Sinopse rápida: “Mads é um executivo de marketing bem-sucedido que viaja pra Londres e tem um caso com Joan; pra ele, tudo não passa de um encontro casual, mas ela pensa de forma diferente”. Bem diferente. Obcecada com o celular, a moça empilha mensagens em sequência antes mesmo do rapaz respondê-la. Rola uma frustração porque ele tem uma vida lá fora e não dedica todo seu tempo a ela. Dá agonia (e isso é um elogio). Talvez você conheça alguém que sentiu uma ansiedade acima do tom enquanto esperava respostas de contatos (me recuso a falar “contatinhos”). Não faz o menor sentido, mas faz todo sentido. Calibrar expectativas é uma atitude não muito disseminada por certas pessoas. Daí à obsessão e à perseguição e à loucura da personagem, vai uma distância. Mas é bem verossímil. Quanta gente não compensa as frustrações offline com a autoficção no mundo digital? Eu gostaria muito que a trama desse filme fosse pouco crível, mas não é.

25 DE AGOSTO, DOMINGO

Mais de 80% das pessoas que deram uma chance a Crimes Obscuros queriam ver o Jim Carrey num papel fora das comédias. Digo isso sem nenhuma base científica ou pesquisa, é só um palpite. Porque fora das comédias, parece que todo personagem interpretado pelo Jim Carrey tem algum transtorno, obsessão, neurose, descompasso. Nesse filme, ele é um investigador convencido de que um assassinato, cuja investigação foi arquivada há alguns anos, tem como autor um autor (rá!) de livros esquisitíssimos, cheios de sangue e de péssimo gosto. É claro que ninguém acredita muito nesse investigador e é claro que ele vai até as últimas consequências pra provar seu ponto. E é claro que vai dar merda. Meio previsível, eu sei, como são previsíveis uns filmes do Jim Carrey longe das comédias. Dessa vez, ele não se contorceu no chão, mas fez caretas numa cena inusitada. E a trama tenta chocar o público aqui e ali, como de costume. Nada demais, mas passa de ano.

27 DE AGOSTO, TERÇA-FEIRA

Você dá match com o bonitão no Tinder, vai pra um encontro (me recuso a falar “date”), depois pra casa dele, vocês transam e se curtem, a noite é agradável. Nada anormal, certo? Sua amiga diz que conhece o bonitão do Tinder, também diz que ele é um herdeiro multimilionário. Ela só se espanta quando você, a protagonista de Good Boy, comenta a esquisitice do bonitão do Tinder por ter um ser humano fantasiado de cachorro de estimação. Se comportando como cachorro de estimação. Andando de quatro, abanando o rabo, comendo ração, bebendo água no pote, latindo, cagando no chão como um cachorro de estimação. Bizarro, certo? Mesmo assim, você releva a excentricidade. Afinal, é o bonitão do Tinder, é o herdeiro multimilionário. Você resolve encontrar o esquisitão de novo. E começa um relacionamento. E se muda pra casa dele. O que pode dar errado, hein? Você me responde que o esquisito sou eu, por dar play nesse filme norueguês, por sentir uma agonia com o homem-cachorro de estimação, pela perturbação crescente com essa história, pelo desprendimento em dar uma chance a essa premissa completamente maluca, pela certeza de que a linha entre a genialidade e o desastre completo pode ser bem estreita. No final do filme, eu olho pra você e digo: pois é, moça.

1º DE SETEMBRO, DOMINGO

Qual a chance de um filme que começa com o suicídio de uma menina de 11 anos em pleno aniversário não ser perturbador? Menor que zero. Como sou perturbado, dei play no grego Miss Violence. Queria dizer que é um filme esquisito, mas devo dizer que nunca mais assisto esse filme por livre e espontânea vontade. E olha que eu gosto de filmes perturbadores. E olha que isso não é, necessariamente, um comentário negativo sobre a história.

2 DE SETEMBRO, SEGUNDA-FEIRA

O meu primeiro contato com o cinema da Macedônia do Norte foi assistindo Indústria do Prazer. O jovem país tem pouco mais de 2 milhões de habitantes e tirou a chance da Itália disputar a última Copa do Mundo de Futebol Masculino. O “do Norte” só entrou no nome desse ex-território da falecida Iugoslávia em 2019 depois de uma longa treta com a Grécia, que durante décadas reivindicava o epíteto “Macedônia” porque já tinha uma importante província com esse nome e não queria ter interesses ($$) atrapalhados por um território homônimo. É esquisito ouvir as pessoas falando em macedônio ou albanês (lá, são dois idiomas oficiais). Mas este texto não é sobre geopolítica, então recomendo um estudo aprofundado em sites de confiança se quiser entender mais sobre o assunto. Eu sei que Indústria do Prazer parece nome de filme pornô ou de documentário cheio das safadezas na Netflix. Não é o caso. Na trama, depois do desaparecimento da melhor amiga, uma jornalista começa a investigar uma rede de tráfico sexual; obviamente, quanto mais descobertas, mais caos. Me senti numa viagem lisérgica, acompanhando um misto de novela da Glória Perez com melodramas mexicanos do SBT. Pra completar, o vilão seria caricato demais até pros filmes do James Bond. Não há personagem fugindo da máxima “só tem filho da puta nessa merda!”. Se alguém me disser que achou um bom filme, não vou seguir a lição bíblica do “não julgueis para que não sejais julgados”. Tudo constrangedoramente maravilhoso.

6 DE SETEMBRO, SEXTA-FEIRA

Fim do brinde. Só não me recusei a falar em “gift code” porque o “gift code” foi uma rara gentileza. Deu pra aproveitar bem. Me senti cavando, cavando, cavando. Até encontrar filmes esquisitões, uns bons, outros nem tanto. Espero não ser visto como um esquisitão por isso. Mas se for for visto como um esquisitão, não tem problema também. Não é todo dia que algum gaiato se dispõe a escrever impressões de filmes num diário que não é diário. Valeu pelo brinde, brinde é (quase) sempre bom.

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