[dropcap]U[/dropcap]m dia com um tempo incerto em São Paulo, variando entre sol, frio, calor e chuva, mas muitas pessoas compareceram para a cabine de imprensa de Um dia de Chuva em Nova York, novo filme de Woody Allen.
Em meio a uma carreira com altos e baixos, em que os baixos estão quase sempre acima da média, e uma agenda em que um trabalho é lançado a cada ano, diluindo as centenas de páginas geniais arquivadas de um diretor/roteirista dedicado nas últimas décadas a estar sempre filmando, a pergunta que gostaria que me respondessem durante essa sessão era: Woody Allen ainda é relevante nesses dias? E nos primeiros quinze minutos de Um Dia De Chuva em Nova York, absorto nas entrelinhas existenciais de mais uma história banal em Manhattan, a resposta veio fácil, automática e enfática: relevante e necessário.
Necessário porque ninguém mais no mundo é capaz de discutir as mesmas questões que Allen coloca em seus filmes com tanto empenho e honestidade. Seus personagens reciclados como meros mecanismos de fala para seus diálogos servem ao plot, mas dentro de cada um deles há a essência de uma parte da humanidade que já resolveu as questões mais baixas da Pirâmide de Maslow e precisa urgentemente mirar no topo. Só que o topo para Allen é onde ele tem vivido por toda sua vida, e ele continua patinando no mesmo chão encerado das questões complexas dos relacionamentos entre duas pessoas. Tudo isso é inevitável para ele e para nós, pois relacionamentos nos definem e sempre serão uma questão mal respondida.
Neste filme ele se concentra em rever o relacionamento de dois jovens que se gostam e estudam na mesma faculdade do interior com base em suas experiências inusitadas em um fim de semana em Nova York. Gatsby Welles é filho de uma família rica em que a mãe define expectativas muito altas para sua carreira, e ele se revolta com estilo e classe ignorando qual carreira seguir, ganhando milhares de dólares em jogos de azar e desejando reviver a nostalgia de um tempo não vivido.
Ashleigh Enright é uma garota do Arizona que está naquela fase de descoberta do que a fascina sem ter o conhecimento e a experiência de verbalizar. Ela consegue uma entrevista com um diretor que adora e com isso, em meio a imprevistos arrumados pelo roteiro, o casal arruma cada um sua própria agenda do que fazer na “Big Apple”.
Não é que o roteiro de Allen seja manipulativo. Isso nem seria uma acusação decente, pois todo roteiro precisa criar as situações para que seus personagens se desenvolvam, e nesse caso essas situações nem são tão desbaratinadas assim, são apenas extravagantes. Mas sentimos a pressão do roteiro em conseguir entregar o máximo de situações possíveis para que esses jovens estejam sempre em contato com si mesmos e revejam o que verdadeiramente desejam o mais rápido possível. E como Gatsby bem colocou, em uma mistura de auto-referência ao seu autor, “Nova York tem seu próprio cronograma”.
O bom disso é que há espaço de sobra para os diálogos, que são a parte mais fascinante do filme, pois é nele que reside a reflexão dos seus personagens conforme eles vão cada vez mais se aprofundando no âmago do seu ser. Esta não é uma comédia romântica no sentido de nos divertirmos com encontros e desencontros para criar desentendimentos que geram tensão. Isso serial banal, mundano demais, para o estado atual da mente de Allen. Seus personagens são jovens, mas ao mesmo tempo maduros, ou pelo menos auto-centrados a ponto de entenderem durante o percurso o que precisam para se ajustar cada um à sua própria vida, e não apenas viver, como a maioria de nós, por comodidade.
Este não é um trabalho que realiza comentários sociais profundos e contemporâneos, muito embora haja aqui e ali alguma forma de encaixarmos o filme nesse aspecto. Porém, em sua essência este é um filme leve, que apenas percorre algumas possibilidades de nos divertirmos com personalidades alheias à nossa própria vida, e há várias delas no percurso, mas apressado, o filme não está interessado em se aprofundar em nenhuma delas exceto o casal principal.
E apesar de Gatsby ser o protagonista e narrador, em uma atuação convicta, mas apagada, de Timothée Chalamet, é em Ashleigh, a personagem de Elle Fanning, que reside o tom que o filme deve ser visto.
Ellen Fanning está extremamente à vontade em seu papel e constrói algo além do que os diálogos de Allen conseguem. Ela é a própria vida materializada em sua beleza e juventude. Ingênua, mas segura de si e sabendo detectar as segundas intenções de todos os homens que ela encontra em seu caminho, ela representa a inteligência e a segurança que gostaríamos de ver nas mulheres de hoje em dia. Há feminilidade jorrando na personagem de Fanning que não depende da existência de homens em sua volta para existir. E, no final do dia, é ela que decide o que fazer com o que lhe é oferecido.
Um Dia De Chuva Em Nova York talvez para alguns não seja “o melhor Allen” como as pessoas vivem esperando, como se houvesse algo além do topo do que o chão encerado. O fã do cineasta gosta de ser enganado com os próprios truques que ele colocou em sua carreira, e eventualmente o próprio diretor desvia dos seus princípios para simplesmente se divertir no processo.
Porém, visto não como “mais um filme de Woody Allen“, mas como uma divertida imersão nos anseios afetivos e existenciais de quem não tem mais nada que conquistar do que o próprio sentido da vida, esta provavelmente é a melhor sessão que você poderá ir esse ano sobre o assunto.
“A Rainy Day in New York” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Woody Allen, com Timothée Chalamet, Elle Fanning, Selena Gomez, Jude Law, Rebecca Hall, Liev Schreiber, Diego Luna, Kelly Rohrbach, Suki Waterhouse e Cherry Jones.