Um dos melhores filmes do ano passado, Ursinho Pooh: Sangue e Mel catapultou o assunto de direitos autorais quando o produtor Rhys Frake-Waterfield se aproveitou da expiração dos direitos do livro escrito em 1926 por A. A. Milne sobre um ursinho fofinho e seu amigo humano para fazer um slasher com máscaras de gosto duvidoso e mortes brutais sem sentido em meio a nudez feminina com fantasias dos anos 80. Em uma palavra: sensacional. Quando um filme no século 21 consegue um feito desses é uma ocasião rara. Houve também pontos de bônus por deixar a crítica especializada naquele alvoroço sobre o terrível mau gosto de Frake-Waterfield.
Quando o filme que custou 100 mil dólares e foi planejado para algumas exibições em poucas salas rendeu mais de cinco milhões e uma distribuição via streaming, a recém-fundada produtora do também diretor, roteirista e editor Frake-Waterfield aproveitou a deixa: novos projetos foram anunciados, como uma continuação com a participação de Tigrão e uma versão de vingança de Bambi, outra obra literária prestes a cair no domínio público.
A continuação do ursinho psicopata chegou conforme prometido. Ela é muito mais bem feita que o filme original. Muito mais cara. Há um roteiro que não é dos mais brilhantes, mas evita que você caia na gargalhada. A montagem não tenta esticar uma cena de 10 segundos para um minuto para render o dinheiro. A cartilha dos bons costumes do século 21 foi aplicada na nova produção, o que quer dizer sem nudez feminina dessa vez e com diversidade. Agora todos podem morrer (e muitos morrem). Em suma, o universo se transformou em um slasher não muito memorável, mas que justamente por isso deveria impressionar fãs da sétima arte. Esta é a sua chance de observar em tempo real o nascimento de um sonho de uma produtora de filmes independentes e estimar quão pouco tempo é necessário para que ela vire a fábrica de enlatados cinematográfica, mais vendável e com menos riscos.
Em compensação, para os novíssimos fãs da adaptação, esta revisita ao mundo onde a gangue do ursinho toca o terror é também uma repaginada na lenda dos monstros que cria uma certa textura inesperada ao que antes pertencia ao universo infantil, o que talvez seja o melhor fruto do projeto e um ponto a favor dos que acham que direitos autorais apenas servem para empregar prédios cheios de advogados prontos para ganhar dinheiro em cima da ociosidade de seus autores. Afinal, esta versão é definitivamente nova, com detalhes acrescentados para enriquecer esta versão, e não a original.
A história é desenvolvida com detalhes espalhados pelas cenas, é verdade, mas nada que obras pretensiosas mais sérias já não o façam. Por exemplo, a muleta das sessões de hipnose que irão revelar desdobramentos de uma história que nós canônicos nem sabíamos que havia, já foi visto dezenas de vezes. O sub drama do protagonista é não ter sido aceito na comunidade, para não dizer odiado pelo que ocorreu no massacre do vilarejo. Digamos que ele pagou de “menino e o lobo” já na primeira vez que decidiu contar uma história fantástica. O que não faz muito sentido. Mas prometi a mim mesmo não usar sentido como métrica em slashers independentes.
Scott Chambers, o ator que interpreta Christopher Robin, repete o papel com seu jeito meigo e cabisbaixo. Nós sentimos que ele não está muito à vontade em ter sido o causador do massacre da vila. Então ele termina o curso de medicina e começa a ajudar as pessoas. Ele estranhamente convence o espectador que ele poderia ser o Chris Robin da versão dos infernos do Ursinho Pooh. Os seus olhos doces e melancólicos criam uma versão com mais camadas que apenas um garoto fazendo amizade com animaizinhos inocentes.
O corvo retorna do carnaval do ano retrasado com a fantasia toda surrada. Ele manja das mandingas e come suas presas vomitando ácido. Há uma cena especial para nos explicar isso, onde ele mata um homem que acabou de sair do banho de uma casa aleatória. E no final um close de gotas caindo do chuveiro.
Você não vai querer que eu fique descrevendo cada cena de Ursinho Pooh: Sangue e Mel 2 quando a graça de ver o filme é justamente seu apelo gráfico. Não se resume todo o mau gosto do gore sanguinário em adjetivos. Tem coisas que você precisa ver para crer. Assim como a população da Floresta dos 100 Acres.
“Winnie-the-Pooh: Blood and Honey 2” (UK, 2024); escrito por Rhys Frake-Waterfield, Matt Leslie e A.A. Milne; dirigido por Rhys Frake-Waterfield; com Scott Chambers, Tallulah Evans, Lewis Santer e Ryan Oliva.