X-Men: Fênix Negra | Só uma despedida à altura

X-Men: Fênix Negra é uma grande metáfora de como ao ganhar poderes incontroláveis, uma pessoa ou grupo acabam criando vítimas aleatórias por onde quer que passem, sem perceberem que estão prestes a ferir justamente os que te querem bem. Ou melhor, os únicos amigos que aguentaram ficar perto de você.

Mas sobre isso, Fênix Negra é uma despedida à altura de ambas franquias X-Men, tanto da iniciada nos anos 2000, como a da reiniciada em Primeira Classe, que mantém em seus filmes do começo ao fim uma estrutura impecável (se você ignorar o primeiro Wolverine). Claro que há aquele desafio eterno das continuações ficarem tão boas quanto o original, e aqui podemos dizer que se trata de “apenas” uma continuação. Porém, momentos satisfatórios ao lado dos super-heróis que aprendemos a admirar, o que já é alguma coisa.

A história todo fã já sabe, com até um ano de antecedência, através de materiais de divulgação da Fox, trailers e notícias que todos consomem freneticamente: Jean Grey, super-poderes além do que pode controlar, caos, os mutantes se mobilizam. Este é praticamente um remake modificado de O Confronto Final (graças às estripulias temporais vistas no ótimo Dias de Um Futuro Esquecido), além de uma produção problemática, que se beneficia de maneira elementar de seu elenco de peso como Michael Fassbender e Jennifer Lawrence, mas que ao dividir muitas atenções na tela com personagens menores distribuiu demais seu peso dramático.

E se não citei o talentoso James McAvoy no parágrafo acima é porque seu personagem é diminuído a um nível de impotência que não faz sequer sombra a Patrick Stewart em O Confronto Final. Charles Xavier foi escolhido como Judas no episódio final, mas teria sido melhor se ele continuasse como Jesus, se sacrificando por a sua causa maior. McAvoy faz o possível em um personagem contraditório, mas o problema parece já existir desde o roteiro. Com a moral distorcida em um ambiente com multiplicidade de opiniões demais, a casa de Charles Xavier parece estar habitada por versões sombrias dos nossos heróis, e sequer foi necessária uma aparição de Wolverine.

Confronto Final como o último episódio da primeira encarnação da série já tinha problemas em se despedir dos seus heróis com a premissa que a mutante mais poderosa deles, Jean Grey, poderia se tornar incontrolável, mas aqui com a vinda da impassiva personagem de Jessica Chastain para ser a vilã da vez, a trama fica ligeiramente pior, o que é uma pena, pois as primeiras cenas do filme estavam focadas unicamente nas ideias, como o discurso de Xavier sobre como uma caneta pode se transformar em um presente para o bem ou uma arma letal. O filme carece mais desses primeiros momentos e poderia dispensar os últimos, não fossem as excepcionais cenas de ação que Fassbender (Magneto) e Kodi Smit-McPhee (Kurt/Noturno) protagonizam.

Ainda assim, todo o resto dos personagens carecem de harmonia. Os vemos lutando no escuro (em um 3D dispensável), mas diferente de outras aventuras, aqui não é possível apreciar a forma criativa com que os poderes de cada mutante eram combinados para formarem uma equipe de verdade. Há mutantes presentes que até parecem novos, mas não foram introduzidos. A experiência é de som e fúria, tal qual a própria Fênix, que desde que surge na pele da jovem Sophie Turner a faz virar um mero recipiente de uma força da natureza e muitos efeitos visuais que brilham.

Porém, por falar em som, este é por sua vez um dos trabalhos mais inspirados de Hans Zimmer, que infelizmente faz sua única participação na série de filmes. Note como os tons sombrios e reflexivos incomodam, principalmente nas cenas de ação. Deveríamos estar ouvindo uma trilha mais empolgante, mas ela nos arrasta para o ambiente depressivo daquelas lutas, onde mesmo que “o bem vença o mal”, não haverá de fato ganhadores. Este é o trabalho musical de Zimmer mais cínico em filmes de fantasia que eu me lembro, e ele captura o momento como ninguém.

O diretor Simon Kinberg esteve envolvido na série como roteirista, no último filme da geração anterior e todos os outros da nova, exceto Primeira Classe, mas este é seu primeiro trabalho na direção. E é… confuso. O uso de planos de Kinberg nunca nos sugere nada exceto a captura visual da ação ou do drama acontecendo, e apesar dos efeitos impecáveis, o acidente de carro do início do filme convence como ação em um momento que precisávamos de conexão com a pequena Grey.

Kinberg se sai melhor em escolher transições, como o momento em que Erik volta a usar seu capacete de Magneto seguido do Professor X retirando seu capacete sensitivo. Mas, ainda assim: o que Kinberg quer dizer? Eu chuto que nada, pois ao final da aventura sentimos que toda essa energia se dispersou sem criar um único momento inesquecível em cenas plasticamente irretocáveis, embora rápidas e confusas.

Eu gostaria de dizer que há muitas ideias não exploradas em X-Men: Fênix Negra, o que daria alguma esperança para o inevitável reboot, mas eu estaria mentindo. A série soa saturada e arrastada desde Apocalipse, e muito do que vem acontecendo com o mundo soa como sintoma.

Houve uma era em que os heróis mutantes eram uma bandeira sobre igualdade de direitos em um mundo intolerante, mas o jogo parece ter virado. Agora a historinha é sobre como é ruim bloquear traumas do passado para se proteger da realidade. Isso me faz querer a assistir Logan para me livrar de tantos filtros que me impedem de enxergar aquele mundo real do primeiro parágrafo.


“Dark Phoenix” (EUA, 2019), escrito e dirigido por Simon Kinberg, com James McAvoy, Michael Fassbender, Jennifer Lawrence, Nicholas Hoult, Sophie Turner, Tye Sheridan, Alexandra Shipp, Evan Peters, Kodi Smit-McPhee, Jessica Chastain.


Trailer – X-Men: Fênix Negra

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