Yuan Longping foi um cientista agrônomo que desenvolveu um arroz híbrido capaz de aumentar o rendimento das plantações substancialmente. Ele faleceu esse ano, no mês de maio. Não, não foi Covid. Aos 90 anos, esse valente e obstinado senhor colapsou em sua base de pesquisa na China e finalizou sua grandiosa jornada no planeta. Sua história é uma das muitas de alguém que, frente às adversidades do autoritarismo cego, se manteve firme.
Seus frutos são colhidos por dezenas de povos em três continentes, sobretudo os em desenvolvimento. Quase como um John Galt, o herói dos livros da romancista e filósofa Ayn Rand, que defendia o individualismo acima do coletivo. Ironicamente, toda a sociedade se beneficia de suas conquistas na pesquisa de base.
Infelizmente, sua cinebiografia não faz jus à sua pessoa. Dirigido por Shi Fenghe como uma homenagem ao cientista por sua contribuição à humanidade, mas produzido pelo governo chinês, o resultado fica óbvio desde seu início: um pedido de desculpas do Partido Comunista a uma das poucas mentes livres que conseguiu sair vivo das loucuras da ideologia Maoísta. Porque algo deve ser considerado da República Popular da China: eles admitem os erros cometidos na História. Mesmo que décadas depois.
Um documentário sobre a vida do criador do arroz híbrido seria mais digno, pois é impossível não dar risada de vários momentos deste filme produzido como se estivéssemos nos anos 60. As cenas são risíveis por si só. Cortes de novela nos diálogos, roteiro farofento canonizando o protagonista, trilha sonora melódica e dramática tocando exatamente no momento que precisa tocar. Esse filme não vem acompanhado de farofa: a farofada é o prato principal.
Começando com uma entrevista entre uma (aparentemente) jornalista ocidental que vai conhecer o inventor do arroz híbrido em uma praia e comenta aleatoriedades, em certo momento olhando para o horizonte ela exclama “que lindo!”. A história é um longo flashback que apresenta o pesquisador ainda dando aulas na universidade de agronomia. O Partido e o governo querem quebrar a lógica burguesa e a ciência é portanto um inimigo. Longping luta contra a loucura coletiva e contra a Grande Fome que testemunhou, sem nunca de seus princípios universais e modernos da busca do conhecimento.
Paradoxalmente os comunistas aqui parecem membros de uma seita, embora já se soubesse das táticas da ideologia através dos livros sobre a fome na Ucrânia nos campos de trabalhos forçados. No filme a desculpa para este período das dezenas de milhões de mortes por fome é ainda a oficial: desastres naturais. Hoje, o próprio governo chinês já assumiu há tempos que o erro foi humano, oriundo da loucura da economia planificada. E esse é mais um detalhe que faz parecer esta ser uma produção dos anos 60.
Detalhes históricos à parte, a linguagem de cinema usada torna o resultado inadvertidadmente divertido, para não dizer ridículo. Longping passa por muitos momentos em que sobe a trilha e ele diz algo engrandecedor. Todos aplaudem. Então ele toca seu violino. Uma orquestra aparece de vez em quando. Os anos 60 vieram com tudo neste trash-homenagem a este homem de caráter, mas a atração é ver esta produção chinesa relatar parte de sua história sem saber muito bem como construir um enredo que seja mais do que homenagens e mais homenagens. Eles estão perdidamente apaixonados por este homem e tudo que ele vê, toca e diz é sagrado.
A consequência é que o filme acaba entretendo mais pelas gafes do que pela história. Todos sabemos desde o começo o sucesso da descoberta, já que ele está sendo entrevistado sobre isso. Então perde-se a tensão nesse caso e ganha-se o riso desses momentos galhofas. A brincadeira vai tão longe que até o estilo de Sergei Eisenstein, o teórico da montagem soviética, acaba tomando conta de algumas piadas. Longping corre, a cena corta para suas botas, e ele volta a correr, teoricamente como doido (está correndo normalmente). Longping está nadando, o diretor da escola vai encontrá-lo, e vemos um plano-detalhe dos dois na água, um nadando como que fugindo do outro. Corte. Agora os dois estão conversando fora da água. Sobe uma trilha casual.
Outro problema do engessamento da forma por falta de conteúdo é o muito texto para pouca ação. No entanto, algumas poucas cenas aéreas e certos cenários externos, principalmente da universidade de agronomia e das plantações que viram a base de pesquisa do cientista acabam compensando. Porém, lá vem a trilha sonora toda hora para nos fazer dar boas risadas novamente.
Longping é um filme ruim, mas se você não estiver com vontade de ler a Wikipédia, fica a dica. Um último aviso é que há um efeito indesejado neste filme: ele dá muita fome durante a sessão (tanto pelo parte arroz, quanto pelo lado da política).
“Yuan Long Ping” (Chi, 2009), escrito por Ju Luo e Zhongchi Tan, dirigido por Fenghe Shi, com Qiugen Cao, Yanyan Cao e Jinglin Guo.