Zombi Child | Falta zumbis


Das profundezas do meu inconsciente trasheiro, eu esperava, sinceramente, ver zumbis cinematográficos em Zombi Child, um filme que não desiste de apresentar sua “revelação final” mesmo que depois de quinze minutos de tela nós espectadores já soubéssemos qual é.

Zumbis nos alegram desde George A. Romero e suas criaturas fantásticas que surgem na calada da noite. Este filme de Bertrand Bonello poderia reciclar sua ideia de reapresentar conceitos consagrados em uma nova roupagem e escolher não fazer nada disso, voltando para o bom e belo lixão da meia-noite.

Não precisava ser nada plagiado dos clássicos anteriores, mas a julgar pela capa, com duas moças bonitas no elenco, poderia ser algo próximo de As Strippers Zumbi (de 2007) ou Orgulho e Preconceito e Zumbis (2016). Eu sairia mais feliz da sessão. Todos sairiam mais felizes. E pensando em moças zumbis. Não há divertimento maior dentro de uma sala de cinema.

Porém, nada disso. Este é um filme francês, e franceses têm o péssimo costume de estragar qualquer conceito minimamente divertido com críticas sociais e uma chata bagagem de eventos históricos envolvendo algum país subdesenvolvido. Nesse caso é o Haiti, onde iniciamos a história, que nos mostra um passado quando havia pessoas zumbificando outras por lá para trabalhar como escravos na lavoura de açúcar. Acompanhamos a história de um desses escravos e, em paralelo, a de uma garota haitiana recém-chegada em um colégio militar em Paris, nos tempos atuais.

É entre esses dois climas e épocas tão diferentes que brilha a fotografia de Yves Cape, que evoca o contraste entre a luz vista por um homem livre e a escuridão vista por um escravo. O mesmo homem, mas a sombra do que já foi, vagando pela terra.

A analogia com escravidão de negros é óbvia, mas a fotografia acaba sendo mais poderosa, mais perene. Romero já nos havia apresentado a ideia de zumbi/escravo desde o começo, mas Zombi Child sugere uma perspectiva mais fascinante ainda, pegando carona em obras contemporâneas como a série Westworld, que já havia feito a inversão de papéis entre mocinhos e bandidos na adaptação de um filme homônimo, e que faz aqui uma pequena poesia sobre um homem sem vida e sem memória tentando resgatar o seu passado idílico.

Essa Haiti também é habitada pelas crendices e rituais dos que acreditam não apenas em zumbis, mas em espíritos e demônios. Os rituais são embalados com uma música penetrante, que hipnotiza pela sua beleza natural. São apenas batuques, tambores e a voz poderosa que emerge do povo, que anuncia com seu ritmo a súbita mudança de humor. São momentos mágicos no filme que nos tiram do marasmo.

Fanny, a bela garota haitiana da história contemporânea, também dança, ainda que timidamente, pois receia que sua música não seja bem vista na irmandade formada por francesas branquinhas ricas que agora faz parte. É curioso a maneira banalizante com que elas enxergam as crenças do povo de Fanny. Uma delas quer até usar os “poderes mágicos” para se livrar da dor por ter levado um fora do namorado.

A falta de dramas reais nos transformam em zumbis afetivos em um ocidente rico e intelectualizado, encontrando pelo meio acadêmico sempre os mesmos motivos pelos quais a Revolução Francesa fracassou e continua fracassando.

Os elementos sociais em Zombi Child se somam, mas são apenas largados e deixados como exercício para o espectador. Este é daqueles filmes que a mensagem é óbvia se você tiver o viés político adequado, mas se não tiver, é chato demais. E errado. E não apresenta zumbis strippers. Quero meu dinheiro de volta.


“Zombi Child” (Fra, 2019), escritoe dirigido por Bertrand Bonello, com Louise Labeque, Wislanda Louimat e Katiana Milfort.


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