Abigail e a Cidade Proibida | Diverte antes de ser completamente esquecido


[dropcap]A[/dropcap]bigail e a Cidade Proibida é a história de alguém que bateu forte a cabeça e começou a escrever uma lista dos clichês mais insuportáveis do século 20 na literatura, no cinema e no teatro. Depois ele conseguiu convencer algumas pessoas da indústria a filmar o que vamos chamar aqui de “história”. E ele estava com sorte, porque para ser um “big boss” nessa área, você também deve desenvolver um tino para clichês, ou ter nascido desse jeito. É o que chamamos de um “dom natural”.

As pessoas dotadas deste “dom” conseguem fazer cinema sem se dar conta da vergonha que estão passando. Elas podem estar em qualquer lugar, na frente ou atrás das câmeras, e suportam que diálogos como “siga seu coração” ou “sempre estarei com você” sejam ditos, montador e exibidos em salas de cinema em todo o mundo em pleno século 21.

E por falar em diálogos piegas, eu nunca vi um elenco tão afiado nesse sentido. Até os alívios cômicos da “trama”, como um jovem vestido de velho que esquece tudo o que acabou de dizer e que fuma um cachimbo pontudo. Bom, eu esqueci seu nome, mas vou chamá-lo de “Dory Gandalf”.

“Dory Gandalf” consegue se segurar do começo ao final de uma fala sem tremer de arrependimento. Ele está sempre olhando para o chão, claro. Seria demais para ele olhar nos olhos da protagonista. Este é apenas um exemplo. A maioria do elenco se comporta assim, com exceção da protagonista.

Ela, aliás, é Abigail, do nome do filme, e junto das outras mulheres são as únicas criaturas que não passam vergonha. Interpretada por Tinatin Dalakishvili, uma atriz da Georgia (o país), a jovem Abigail mantém sua dignidade e se encontra durante todo o tempo acima dos clichês do filme. Algo que se torna impressionante se formos contabilizando a série de personagens improváveis que surgem a cada minuto.

Há o pai misterioso, interpretado pelo ator Eddie Marsan, que diz frases dignas do Mestre dos Magos com sotaque inglês (Marsan nasceu em Londres). Para os que não conhecem, na série animada Caverna do Dragão, o Mestre dos Magos seria o guia para a saída de cinco jovens que ficam presos em um mundo mágico, mas em cada episódio da série ele insistia em dizer frases de auto-ajuda que não ajudavam o grupo em nada.

O pai de Abigail realiza o mesmo truque usando magia e a cara de pau de ignorar o perrengue que sua filha, ainda com oito anos, irá enfrentar adolescente, preferindo criar charadas em torno de seu desaparecimento. E quando eles se revelam… TCHARAM… não fazem o menor sentido.

Entre os personagens que seriam melhor nunca terem existido, há também o parceiro/interesse amoroso de Abigail, um jovem galã líder de uma revolução com uma personalidade perturbada que eu vou chamar de “Edward Cullen”, o vampiro da “saga” Crepúsculo que através de seus atos psicóticos e possessivos assombrava a vida de sua amada Bella, a ponto de se casar com ela e agredi-la na primeira noite juntos.

“Edward” está liderando uma revolta na cidade cercada pelo medo e por um muro, mas ignora as informações que chegam através da filha do criador da arma que é usada pelo governo contra eles. Não muito inteligente, “Edward”. Além disso, ele se encontra perdidamente apaixonado por ela e tenta disfarçar através do seu jeito durão, sempre olhando para longe e com a barba por fazer.

Fiquei feliz que Abigail e a Cidade Proibida tenha começo, meio e fim. Contrariando a tendência mundial de tentar criar franquias, o filme abre um mundo cheio de elementos mal construídos e personagens inacabados que se revelam como estereótipos cuja única função é avançar mais um pouquinho a jornada da heroína, sem motivo nem explicação. O uso da magia como pano de fundo lembra as duas séries de filmes do mundo criado pela escritora J. K. Rowling, Harry Potter e Animais Fantásticos, mas apenas a estética usada por eles para representar as armas e alguma pirotecnia.

Além desses trucagens, quase todo o resto é desenvolvido por pessoas em um computador. E embora seus efeitos não sejam necessariamente ruins, são pedestres para os dias de hoje, e soam como se algo estivesse errado… mas tudo bem.

Além disso, o design de som é problemático. A maioria do elenco, além da equipe técnica, vem do Leste Europeu, principalmente Rússia, e fica muito óbvio que os atores estão sendo dublados em inglês, e ainda que sejam por eles mesmos o resultado acaba soando como dublagem. Isso nos faz distanciar um pouco do filme, que merecia retoques por todo o trajeto, pois do jeito que está lembra aquelas produções que já foram longe demais, mas precisam ser acabadas às pressas.

Eu poderia abrir um pouco mais a trama, mas depois dela não há uma história de fato por aqui que valha a pena acompanhar. Apenas rabiscos do que poderia ser uma aventura de fantasia esquecível. Esses filmes divertem durante a projeção, mas logo depois nos esquecemos sem querer. Do jeito que Abigail está, o resultado é tão ruim que eu realmente quero esquecer.


“Abigail” (EUA/Rus, 2019), escrito por Aleksandr Boguslavskiy e Dmitriy Zhigalov, dirigido por Aleksandr Boguslavskiy, com Tinatin Dalakishvili, Eddie Marsan e Gleb Bochkov.


Trailer – Abigail e a Cidade Proibida

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