Carro Rei | Uma mistura de Chritine, Titane e o mais puro suco de Brasil

Das carcaças de carros velhos nasce a revolução. Mas que revolução é essa? Carro Rei tem essa resposta em meio a uma espécie de ficção científica pernambucana e filosófica, que foca em Caruaru, mas acerta no Brasil.

A premissa dessa ideia passa por Uno (Luciano Pedro Jr.), que tem esse nome por ter nascido dentro do taxi do pai. Na verdade, uma frota de carros, lugar onde “Ninho” cresce, rodeado da família e dos carros. Principalmente um deles, que conversa com ele. O mesmo que acaba se tornando o causador da morte da mãe, o que o faz ser relegado ao ferro velho do tio Zé Macaco (Matheus Nachtergaele). E tudo fica ainda mais esquisito.

“Ninho” tem uma ligação poderosa com o carro e com a ajuda do tio, reformam o veículo e o deixam novinho em folha, o que o salva de uma nova lei que irá tirar das ruas os carros com mais de 15 anos de idade. Tudo bem, até aí tudo parece apenas uma revolução contra os fascismos do dia a dia sofridos pelos carros. Mas quando o gigante acorda, nada consegue colocá-lo de volta.

O Carro Rei passa e suas ideias revolucionárias começam a proteger os outros carros velhos. Todos são reformados e lançados como se fossem novos, mas agora movidos pela ideia de seu mestre. Uma indignação contra “essas mudanças”, que está em busca de “justiça social”, das tradições dos carros e, é lógico, “Caruaru acimo de todos”.

Carro Rei, escrito e dirigido pela dupla Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, começa como um monte de ideias juntas, mas aos poucos vai se tornando uma discussão que se permite ser filosófica, absolutamente atual e importante. Guiar o filme por esse caminho não é só um esforço político (no sentido mais amplo da palavra), mas também é uma aparente vontade de fazer seus espectadores pensarem a respeito do mundo onde estão.

É lógico que Carro Rei tem algo de Christine e até de Titane, mas seu sotaque é único. É estranho, lógico (a ideia, não o sotaque, que é ótimo!), mas uma estranheza que vai buscar perguntas e não respostas.

Zé Macaco, em um trabalho corporal impressionante de Nachtergaele, é justamente o que o nome diz, alguém que perambula por ali de modo simiesco, mas com a vontade de expandir sua consciência através de questionamentos que espremem o filme. Zé Macaco aponta o ser humano como um “animal cultural que se desenvolve através de suas ferramentas”. Consequentemente, o Carro Rei não é algo, mas sim parte do “alguém”. São as pessoas que criam esse líder, não o contrário.

A consciência do filme vem com o personagem que mais parece maluco, mas uma consciência que se perde no discurso do próprio. Oprimido e cansado do sofrimento. A pedra segurada pelos ancestrais é uma extensão do corpo deles. Consequentemente, aquilo que é criado passa a fazer parte das pessoas, as maquinas são a revolução, pois fazem parte da evolução. Ignorar isso é ignorar a possibilidade de entender que o opressor é uma criação do oprimido. A revolução não está no começo, mas sim no final.

Carro Rei não esconde nada disso. É um produto de seu tempo. Mas de um tempo absolutamente brasileiro. Vem agarrado em uma maluquice e se permite algumas esquisitices que constroem um cenário ainda mais complexo e divertido. E ainda mais brasileiro.

Não só pelos carros velhos, mas pelo hino tocando no fundo enquanto os seguidores do Carro-Rei vestem suas roupas com a cor da bandeira, glorificam a guerra e estendem a mão para o alto enquanto gritam pelos seu líder. A metáfora é tão óbvia que quase não é uma metáfora. Uma alegoria que não está preocupada com a partidarização da ideia, mas sim com a responsabilidade de expor uma situação que não tem certo ou errado, mas sim só um lado perigoso, violento e que não tem vontade nenhuma de esconder suas intenções assassinas.

Tudo bem, a dupla de cineastas resolve tudo isso com uma outra analogia de uma cor que remete não só ao lado ideológico, mas àquela tonalidade que batizou o país e ficou tão famosa na Europa quando tirada do Pau Brasil e pigmentada pelo “Velho Mundo”. E se isso acabar ofendendo o público de ideologia mais frágil, tudo bem, a ideia talvez seja essa mesma, mostrar que não é hora mais de olhar para o outro lado enquanto o Carro Rei expõe suas ideias.


“Carro Rei” (Bra, 2021); escrito e dirigido por Renata Pinheiro e Sergio Oliveira; com Luciano Pedro Jr., Matheus Nachtergaele, Clara Pinheiro, Tavinho Teixeira, Jules Elting, Adélio Lima e Ane Oliva


Trailer do Filme – Carro Rei

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