O Preço da Verdade | Importante e real, mas chato


[dropcap]É[/dropcap] sempre impressionante ver a realidade nas telas do cinemquando ela tem uma carga gigante de criminalidade e indiferença com a humanidade. O Preço da Verdade tem isso a seu favor, mas só isso, porque o resto é bem chato.

A produção é o novo filme de Todd Haynes depois dos sucessos Carol e Sem Fôlego. O roteiro ficas nas mãos de Mario Correa (que você não ouviu falar) e Matthew Michael Carnahan (do ótimo, e também baseado em uma história real, Horizonte Profundo). Tudo isso baseado no artigo do New York Times “The Lawyer Who Bacames DuPont´s Worst Nightmare”, cujo título é, justamente o melhor resumo possível do filme: O advogado que se tornou o pior pesadelo da DuPont.

Para quem não ligou o nome à pessoa, a DuPont é uma corporação líder do mercado da indústria química. Entre suas patentes está o Teflon, aquele recurso que está em sua panela e também em um monte de materiais impermeáveis em seu armário. Uma informação que é bom manter em mente até o final do filme (e do texto).

O filme acompanha o advogado Rob Bilott (Mark Ruffalo), jovem sócio de uma grande empresa de advocacia especializada, justamente, em empresas químicas. O problema (sempre tem um) é que ele acaba sendo procurado por um amigo de sua avó a respeito de uma contaminação em sua fazenda. Billot então compra essa briga e mergulha em um processo que dura algumas décadas e ainda hoje continua acontecendo.

Haynes e a dupla de roteiristas tentam realmente criar um filme minimamente dinâmico no começo, portanto, todas descobertas de Bilott empurram a trama no começo e empolgam com a velha ideia do personagem que precisa enfrentar uma encruzilhada moral enquanto luta contra uma corporação gigante. Portanto, de cara, torcer por Bilott é fácil e ajuda a você não dormir depois que você descobre toda tramoia da DuPont e a história se torna tão burocrática quanto a série de processos, julgamentos e diálogos cheios de “advocacês” que enchem o filme a cada passagem linear de tempo.

O diretor ainda prefere um visual frio e afastado da ação. A fotografia apagada e em tons pasteis até combina com o distanciamento dos primeiros anos, mas quanto mais perto chega do contemporâneo, mais sem graça fica. A direção impessoal de Haynes não consegue nem ao menos imprimir qualquer tipo de suspense ou tensão, além de até apelar para um momento de câmera subjetiva com uma vaca, o que obviamente não tem absolutamente nada a ver com o resto do filme.

E isso poderia até não ser tão cansativo se O Preço da Verdade contasse com um elenco em melhor forma. Ruffalo continua se esforçando em qualquer papel que faz (vide Spotlight, por exemplo), apostando sempre em alguns traquejos sutis e movimentos esquisitos, mas nada disso salva o personagem, que não parece ser heroico o suficiente para enfrentar a DuPont, mas apenas um advogado chato e persistente. Ao seu lado, Anne Hathaway é a mais perfeita definição de desperdício, já que cumpre o papel de esposa do protagonista e não tem nada mais para fazer além disso.

Essa falta de interesse e empolgação do protagonista, talvez venha, justamente, com um roteiro (ou opções de corte do diretor) que não consegue entender o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional do personagem. Ao tirar ele completamente de perto de qualquer problema envolvendo seu passado na cidade onde ele irá defender, não deixa nunca que aquilo possa se tornar minimamente pessoal. É até estranho como sua avó e sua mãe são citadas no filme, mas nunca se tornam importantes. Entretanto, quando a ideia do filme se torna escorar o filme em um conflito familiar, ninguém faz a mínima ideia de onde aquilo sai.

Mas O Preço da Verdade é uma história extremamente real. O que aconteceu ali no filme, aconteceu do lado de cá da tela. A curiosidade de ver o descaso da empresa com aquela comunidade se torna algo tão impressionante que só ganha em termos de terror quando você descobre que os especialistas acreditam que 99% dos seres humanos tem o tal C8 (teflon) em seu organismo, igualzinho as vítimas do filme. Sim, tudo fica pior quando você descobre que a vítima é você, e com certeza o filme te ajudará a entender bem isso. Talvez uma lição que já valha o filme.


“Dark Waters” (EUA, 2019), escrito por Mario Correa e Matthew Michael Carnahan, à partir do artigo de Nathaniel Rich “The Lawyer Who Became DuPont´s Worst Nightmare”, dirigido por Todd Haynes, com Mark Ruffalo, Anne Hathaway, Tim Robbins, Bill Pullman, Bill Camp e Victor Garber


Trailer do Filme – O Preço da Verdade

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