Os Cinco Diabos | Sensorial

Os Cinco Diabos (2022) | Crítica do Filme

Se é difícil descobrir a razão de Os Cinco Diabos ter sido batizado assim, talvez seja ainda mais difícil lidar com ele sem enfrentar um conflito. Encarar o quanto as coisas podem estar erradas mesmo parecendo certas e tendo que olhar diretamente para elas para entender o que elas são de verdade.

Parece complicado, mas o segundo longa dirigido por Léa Mysius faz tudo isso com uma delicadeza desesperadora. O filme é escrito por ela própria em parceria com Paul Guilhaume, que também esteve com ela em Ava, de 2017, e o resultado direto é uma história que vai se descobrindo enquanto sua natureza é desvendada.

Os Cinco Diabos então poderia ser só um drama sobre uma mãe, Joanne (Adèle Exarchopoulos, de Azul é a Cor Mais Quente) tendo que encarar um pedaço de seu passado que volta à sua vida anos depois e pode colocar seu casamento com Jimmy (Moustapha Mbengue) a perder. Mas no meio disso tudo está sua filha de oito anos, Vicky (Sally Dramé).

Swala Emati e Adèle Exarchopoulos em Os Cinco Diabos

Arrancando o espectador de uma mesmice esperada, Vicky tem uma espécie de poder extraordinário ligado ao olfato. Além de conseguir diferenciar e farejar qualquer um e qualquer coisa, aos poucos ainda vai descobrindo essa capacidade de realizar uma espécie de viagem no tempo através do cheiro de outras pessoas, especialmente da tia que vem passar uns dias na casa dela (Swala Emati).

O que era só um drama ganha contornos fantásticos e quase uma perversão dolorida ao fazer a menina influenciar o passado complicado da tia. Ênfase aqui em um complicado que passa muito mais pelo olhar normativo de uma sociedade ainda sem a capacidade de lidar com o diferente, do que, propriamente com um pecado. É esse preconceito que coloca em rota de colisão a vida dessas pessoas todas, tanto no passado, quanto no presente, e até no futuro de uma das personagens.

Sally Dramé em Os Cinco Diabos

O casamento dos pais de Vicky talvez esteja no centro do drama, mas na verdade são apenas o reflexo distorcido dessa dor e de pecados do passado que não eram pecados, mas sim verdades. A vida da menina ainda é cercada da provocação e da violência racista que se mantém firme desse lugar meio afastado do mundo, cercado de um rio e de uma cadeia de montanhas. Como se tudo por lá fosse uma imagem que não reflete o real, mas sim aquilo que preferem que seja real. Como a amiga de Joanne e as marcas de queimadura escondidas por um trabalho de faxina no vestiário da piscina.

A mesma precaução em não olhar para os erros do passado depois que eles foram esquecidos. Não erros de Joanne e da cunhada, mas sim do povoado em volta delas que preferiu observar as chamas queimarem aquilo que preferiam não entender.

O pecado das duas talvez seja não se permitirem entender o que são e o que representam entre si. O pecado maior, dos outros, é tentar impor nelas essa culpa por algo que elas não são culpadas. A influência disso resvala até na menina e em um preconceito mascarado pelo medo que ela precisa aprender a enfrentar. Suas idas para o passado lhe ensinam essa lição, mas a duras penas, já que precisa antes entender o quanto o peso desses erros pode marcar, literalmente, a vida dessas pessoas.

Cena de Os Cinco Diabos

O resultado é ao mesmo tempo cíclico e linear, já que tudo pode voltar a dar as caras, como o passado, mas lembrando que sem seguir adiante a vida de ninguém tem significado. Os Cinco Diabos é complexo, com personagens que precisam se entender mais ainda do que se deixarem entender. A câmera de Léa Mysius é precisa e realista, olha para essas pessoas como seres humanos mais complexos do que suas ações e decisões e tudo cabe dentro de suas decisões artísticas.

Já o nome do filme, por alguns segundos você o verá escrito no ginásio que finge ser um dos pontos principais da trama, com sua tragédia incandescente. Talvez seja o nome do lugar, talvez, como o ditado popular diz, “O diabo está nos detalhes”, mesmo sem saber se lá pelos lados da França se diz o mesmo. Ainda assim, Os Cinco Diabos é um daqueles filmes construídos nos detalhes, na delicadeza e na vontade de fazer seus espectadores sentirem, se não o cheiro, pelo menos as emoções.

Trailer do Filme – Os Cinco Diabos

Ficha Técnica

Título Original: Les Cinq Diables

Direção: Léa Mysius

Roteiro: Léa MysiusPaul Guilhaume

Elenco Principal: Adèle ExarchopoulosSwala EmatiSally DraméMoustapha MbenguePatrick BouchiteyDaphne Patakia

Sinopse: Uma criança com o poder de sentir qualquer cheiro acaba descobrindo a possibilidade de viajar no tempo através dele, o que o leva de encontro a um segredo do passado de seus pais.

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