Projeto Gemini | Muitos frames por nada


Com dois Oscars na prateleira e uma carreira que não é impecável por muito pouco, Ang Lee parece estar no topo da cadeia alimentar de diretores que tem na estética uma de suas principais características. De um tempo para cá, Lee ainda vem tentando surpreender seu público com inovações tecnológicas que tornarão seus filmes únicos… se é que alguém vai conseguir vê-los. Projeto Gemini é talvez o exemplo máximo desse desperdício tecno-estético.

Em resumo, Lee filma Projeto Gemini todo com 120 frames por segundo (FPS), normalmente os filmes lançados estão em 24 FPS. O diretor ainda inova o visual e faz isso em um 3D 4k. O resumo: um visual extremamente limpo e sem borrões de movimento. Um resumo ainda mais profundo: Nenhum filme dos Estados Unidos irá projetar o filme nesse formato.

Muitos conseguirão passar em 120 FPS, alguns até em 3D também. Alguns irão manter o 3D e diminuir para 24 frames. Mas nenhum em 4K e ainda com todo o resto. E se isso não vai acontecer nos Estados Unidos, vai saber onde irá, com certeza não no Brasil, que deve contar com sessões em 3D e com 60 FPS. E acreditem, isso já irá fazer diferença.

O que não vai fazer diferença é para o roteiro ruim. Mas a gente já chega nele!

Ainda mais, porque a premissa é interessante e permite que Lee entre para os anais do cinema não pelo visual técnico que ninguém irá aproveitar, mas sim pela boa e velha captação de movimentos mesmo.

No filme, Will Smith é Henry Brogan, um assassino profissional contratado por uma misteriosa agência do governo dos Estados Unidos. O problema é que ele decide se aposentar, e como um bom thriller de espionagem acéfalo, ele passa a se tornar o alvo da própria agência. O que é diferente em Projeto Gemini (com o nome nada sutil) é que uma jovem e misteriosa figura é destacada para “resolver” o problema: uma versão 30 anos mais nova do próprio Brogan.

A tecnologia é semelhante àquela que a Marvel usou e abusou em seus últimos filmes, rejuvenescendo seus atores, a diferença aqui é que Lee tanto é um diretor muito melhor do que todos os que já usaram isso, quanto ainda se sente desafiado a fazê-lo de um modo que mais ninguém fez.

Isso, em harmonia com os 120FPS (ou até mesmo os 60FPS) cria um visual incrível e a real possibilidade de vermos Will Smith no começo de carreira fazendo um papel muito mais dramático que o do “Fresh Price” de Bel-Air. Mais ainda, em momentos incríveis, movimentações de câmera inspiradas e composições desafiadores, Lee coloca os dois Smiths juntos (e até com os rostos grudados) sem a menor cerimônia.

A clareza dos 120FPS obrigam Lee ainda a aproveitar isso com cenários gigantes e profundidades de campo infinitas, o que é um deleite para o 3D. Portanto, Projeto Gemini é uma experiência clara até onde sua visão chegar.

Esse visual, misturado com a capacidade de Ang Lee de fazer grandes cenas de ação tornam o filme uma opção incrível para quem não quer se importar muito com o que está sendo dito e só quer ver personagens em algumas das melhores sequências de ação do cinema no ano.

Como fica claro, Projeto Gemini não é um poço de criatividade fora em termos de trama. O que tem de cuidado visual, deixa a desejar nas palavras.

David Benioff (de Game of Thrones), Billy Ray (Operação Overlord) e Darren Lemke (Shazam!), simplesmente não estão preocupados com a inteligência de nenhum espectador. Por mais que acertem na hora de não descambar por explicações científicas e permitirem que a ação tenha ritmo sem muita pausa para atrapalhar as cenas de ação, é fácil se irritar com os personagens repetindo situações óbvias e não deixando ninguém pensar a respeito.

É óbvio que Brogan não consegue se olhar no espelho pela consciência pesada, e seu clone jovem representa esses espelhos, mas quando você se pega vendo um dos personagens ter que explicar isso enquanto toma um cafezinho, torna o que poderia ser um tanto quanto poético, apenas bobo. E falando em consciência, Brogan começa a sentir algo “esquisito” depois de matar sete dezenas de alvos e o roteiro acho que isso é realmente o suficiente para todos simpatizarem com ele. Aqui a dica: não é suficiente.

Portanto, Projeto Gemini é feito para três tipos de pessoas. Uma delas que não vai se importar com esse filme de ação que não valoriza a inteligência de seu espectador. Um outro que vai estar se divertindo com os efeitos especiais e invencionices técnicas. Por fim, um terceiro, que por mais que queira não vai conseguir aproveitar o filme do jeito que Ang Lee o filmou e vai ficar pensando profundamente no quanto vazio é fazer um filme de jeito tão moderno e complexo que sua geração não irá aproveitá-lo.


“Gemini Man” (EUA, 2019), escrito por David Benioff, Billy Ray e Darren Lemke, dirigido por Ang Lee, com Will Smith, Mary Elizabeth Winstead, Clive Owen, Benedict Wong e Douglas Hodge.


Trailer do Filme – Projeto Gemini

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