[dropcap]É [/dropcap]fácil olhar para a carreira de Peter Berg no século 21 e pensar no quanto o ex-ator especializado em pequenos papeis esquecíveis em grandes filmes, acabou se tornando um diretor competente e relevante para os filmes de ação. Troco em Dobro faz você repensar isso.
Principalmente se você levar em conta o passado recente de Berg, tanto com os incríveis e humanos Horizonte Profundo e O Dia do Atentado, quanto com o ágil e empolgante 22 Milhas. O que acontece por aí, não chega nem perto desse seu novo filme, e entre eles, única coisa que os une é a presença de Mark Wahlberg.
O filme é escrito pelo novato Sean O´Keefe em parceria com o ganhador do Oscar por Los Angeles: Cidade Proibida, Brian Helgeland. A dupla, na verdade, leva às telas a adaptação de um famoso personagem da literatura americana, criado por Robert B. Parker, e estrela de mais de 40 livros, sem contar algumas versões na TV em séries enlatadas. O que talvez não seja tão longe do que acontece em Troco em Dobro, que nos lembra que ainda é possível ver produções pularem as salas de cinema e irem “direto para a TV” (é uma produção da Netflix) com o peso que essa expressão sempre causou.
O Spenser do filme é, justamente, Mark Wahlberg, um policial de Boston que deu uma surra no chefe e acabou pegando cinco anos de prisão. Isso só o torna ainda mais casca grossa e, ao sair, descobre que o ex-chefe foi brutalmente assassinado e um outro policial está sendo acusado, mesmo com tudo levando a crer que ele era inocente.
Tudo bem, não é uma grande motivação, mas quem precisa delas? Spenser então ganha a ajuda do grandalhão Hawk (Winston Duke), um lutador de MMA que se tornou seu colega de quarto. Isso também não parece importante para a trama, mas o personagem é simpático e serve para arremessar alguns bandidos contra umas paredes na parte final do filme.
No resto do tempo, Troco em Dobro é esse filme de investigação que se arrasta em uma trama que até faz sentido, mas não apresenta absolutamente nada de novo. Tão descartável que parece ser um daqueles filmes dos anos 80 e 90 que só serviam para ter o nome do astro de ação do cartaz e juntar um monte de fãs de porradaria.
Isso pode parecer injustiça, já que todo gênero encontra a possibilidade de encher os bolsos com filmes esquecíveis. Os filmes de terror fizeram isso e até o Noir não perdeu essa oportunidade. Troco em Dobro então poderia ser considerado um filme noir descartável que ninguém irá se lembrar que ele existiu. E talvez o cinema no século 21 já esteja cansado dessa mesmice, afinal, os filmes a serem esquecidos já são tantos que ninguém precisa esquecer de mais um.
É nesse momento que entraria em cena Peter Berg e uma capacidade de sempre entregar algo interessante em meio a produções que poderiam ser esquecidas. Berg é o nome por trás de divertidas bobagens como Bem-Vindo à Selva e Hancock, seu Tudo Pela Vitória é até hoje uma referência quando o assunto são filmes de esportes. O Reino e o próprio 22 Milhas, junto com O Grande Herói são filmes incríveis de ação.
Mas em Troco em Dobro, Berg abraça uma óbvia preguiça onde sua câmera apenas permanece ligada enquanto Wahlberg, Duke e Alan Arkin (no papel de uma espécie de figura paterna maluca de Spenser) tentam criar essa dinâmica que até funciona, mas que nunca parece ser o ponto importante da trama. E aqui é bom salientar o quanto a presença de Arkin em qualquer lugar enquanto vive esse velho rabugento é sempre um ponto positivo para qualquer filme.
Com uma carreira tão interessante (sim, vou esquecer o filme da Batalha Naval!), Berg não poderia se permitir fazer um filme qualquer e sem nenhum interesse para os espectadores. Um filme tão descartável que acaba com cara de episódio piloto de série enlatada, mas de uma série que ninguém teria interesse em ver.
“Spenser Confidencial” (EUA, 2020), escrito por Sean O´Keefe e Brian Hegeland, a partir das obras de Ace Atkins e Robert B. Parker, dirigido por Peter Berg, com Mark Wahlberg, Winston Duke, Alan Arkin, Iliza Shlesinger, Michael Gaston e Bokeem Woodbine.